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terça-feira, julho 01, 2003

concessão*
"responda que lhe agrada mesmo que esteja a mentir, nunca parou de mentir, amo-te e mentira, tive saudades tuas e mentira, também me quero casar e mentira, não ama, não teve saudades, não se quer casar, dava nós com os dedos portanto minta senhor, o que lhe custa"

António Lobo Antunes, Que Farei Quando Tudo Arde?, Dom Quixote, 2001


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começa assim, um dia oferecem-te um um pano da loiça para o enxoval (se fores menina, que nisto de prendas os rapazes sempre vão tendo mais sorte, enfim, também pode ser um par de peúgas) e sorris e agradeces. agradeces e sorris, porque a mãe disse que não toleraria de novo outro tipo de comportamento que não o da boa educação e cordialidade (era tão criança, como adivinhar que não podia dizer à senhora que a sua presença diária em nossa casa já se tornava um hábito chato?). depois, tornas-te cúmplice, sorriem-te e agradecem-te, porque as mães são todas iguais.
ou então assim, um dia queres ir jogar com um amiguinho que te convidou a ir lá a casa para brincar com jogo que o tio lhe ofereceu, mas já antes combinaras com o melhor amigo, o de sempre, ir na bicicleta de sempre ao jardim de sempre fazer as coisas de sempre. e não é que não gostes de as fazer, mas nessa altura ainda acreditas que há coisas que duram mais do que o tempo todo, que sempre lá vão estar para ti. o dilema. não queres magoar o amigo de sempre, até porque sabes que vais voltar a procurar a sua companhia quando o jogo deixar de ser novo. espera-lo no portão de mãos suadas e dizes que hoje não pode ser porque a tua mãe não deixa, porque o cão está doente, a cara cada vez mais vermelha, porque o pai pendurou a bicicleta nos ganchos da parede da garagem, onde nem eu nem tu conseguimos chegar, como daquela vez em que tentámos e eu em cima de ti e a bicicleta em cima de nós e tu com cinco pontos na testa e a minha mãe, aí­ sim, mesmo zangada e a tua dois cêntimetros abaixo e furavas o olho, onde estavas com a cabeça?, lembras-te?, hoje não posso mesmo. tentas o ar desolado e sai-te um risinho nervoso. dali a tempos será a tua vez de deixa estar, vamos amanhã, ou depois, quando puderes, reconhecendo a falta de jeito, sabendo o que isso quer dizer.
pode começar assim. e continuará sempre. porque é mais fácil.
agradeço-te que me mintas, que me poupes, é mais ou menos isto que estamos a dizer quando compreendo, obrigada. de início, porque há coisinhas pelas quais não vale a pena discutir. depois, porque há coisas para as quais não tens força para discutir.


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