terça-feira, fevereiro 24, 2004
No Carnaval,*
dois poemas de Renato Suttana:
O vento geme lá fora
O vento geme lá fora
com um sotaque europeu.
Por dentro a sombra demora,
e há na alma um órfão que chora:
nada é próprio, nada é meu.
A noite passa, rangendo
sobre o que é casa e lugar.
E aos poucos vou me esquecendo,
vou como uma água descendo,
até o sono chegar.
Na confusão que, no escuro,
o pensamento contém
(a arder, impreciso e obscuro),
confio-me – ermo – ao futuro,
espero a paz de Ninguém.
O vento geme lá fora,
a se esgarçar nos beirais.
Pesa uma angústia sobre a hora,
e agora é como se outrora –
e eu mesmo já não sou mais.
........................
O Animal de Fim de Semana
De que o homem seja um animal
há pouca gente que duvida:
animal adestrado a custo
entre as grades de sua vida.
Quando essas grades o comprimem
para além do que lhe convém
(ao ponto da sufocação),
sai o homem, o animal vem.
O que falta, porém, provar
e não fica aqui demonstrado
(nem pelo parecer dos sábios)
para esse homem mal adestrado
(a quem torna regularmente
o animal que pensou perder
entre as jaulas nem sempre largas
das conveniências do viver)
é que, na prática do esporte,
se resolva o animal que o mina
no aventureiro hebdomadário
que esquece os trilhos da rotina.
Melhor seria acreditar
que, ao se mudar de cidadão
em destemido aventureiro
como se muda de opinião,
o homem não deu vazão ao bicho
nem retornou ao seu normal,
mas transitou da jaula à selva:
trocou apenas de animal.
enviado por Nicolau Saião
dois poemas de Renato Suttana:
O vento geme lá fora
O vento geme lá fora
com um sotaque europeu.
Por dentro a sombra demora,
e há na alma um órfão que chora:
nada é próprio, nada é meu.
A noite passa, rangendo
sobre o que é casa e lugar.
E aos poucos vou me esquecendo,
vou como uma água descendo,
até o sono chegar.
Na confusão que, no escuro,
o pensamento contém
(a arder, impreciso e obscuro),
confio-me – ermo – ao futuro,
espero a paz de Ninguém.
O vento geme lá fora,
a se esgarçar nos beirais.
Pesa uma angústia sobre a hora,
e agora é como se outrora –
e eu mesmo já não sou mais.
........................
O Animal de Fim de Semana
De que o homem seja um animal
há pouca gente que duvida:
animal adestrado a custo
entre as grades de sua vida.
Quando essas grades o comprimem
para além do que lhe convém
(ao ponto da sufocação),
sai o homem, o animal vem.
O que falta, porém, provar
e não fica aqui demonstrado
(nem pelo parecer dos sábios)
para esse homem mal adestrado
(a quem torna regularmente
o animal que pensou perder
entre as jaulas nem sempre largas
das conveniências do viver)
é que, na prática do esporte,
se resolva o animal que o mina
no aventureiro hebdomadário
que esquece os trilhos da rotina.
Melhor seria acreditar
que, ao se mudar de cidadão
em destemido aventureiro
como se muda de opinião,
o homem não deu vazão ao bicho
nem retornou ao seu normal,
mas transitou da jaula à selva:
trocou apenas de animal.
enviado por Nicolau Saião