quinta-feira, março 11, 2004
...nós que somos os vivos.*
A CASA DOS MORTOS
Sub-reptícia, uma certa gravidade
se apodera de nós: um travo
residual morde as comisuras
do sorriso. No olhar com que olhamos
se demora outro olhar. No aceno
da mão pesa uma lentura inusitada.
Percebemo-lo na aresta de indefinido
mal-estar, na amargura que dura
enquanto dura o tempo de uma
lembrança furtiva. No ar, talvez
que respiramos de tudo o que foi
e fomos reverbera em nós
ardências e crepitações. Como um soluço
represo e interminável, eles persistem
desgarradamente presos à curvatura
dolorida dos nossos gestos. Eles
doem em nós uma presença muda
e grave. E emprestam a tudo
o que fazemos uma harmonia melancólica.
Com a maré baixa do seu terno desespero,
moram em nós que somos os vivos.
Rui Knopfli, Memória Consentida– 20 Anos de Poesia 1959/1979,
Imprensa Nacional–Casa da Moeda, 1982.
A CASA DOS MORTOS
Sub-reptícia, uma certa gravidade
se apodera de nós: um travo
residual morde as comisuras
do sorriso. No olhar com que olhamos
se demora outro olhar. No aceno
da mão pesa uma lentura inusitada.
Percebemo-lo na aresta de indefinido
mal-estar, na amargura que dura
enquanto dura o tempo de uma
lembrança furtiva. No ar, talvez
que respiramos de tudo o que foi
e fomos reverbera em nós
ardências e crepitações. Como um soluço
represo e interminável, eles persistem
desgarradamente presos à curvatura
dolorida dos nossos gestos. Eles
doem em nós uma presença muda
e grave. E emprestam a tudo
o que fazemos uma harmonia melancólica.
Com a maré baixa do seu terno desespero,
moram em nós que somos os vivos.
Rui Knopfli, Memória Consentida– 20 Anos de Poesia 1959/1979,
Imprensa Nacional–Casa da Moeda, 1982.