domingo, março 21, 2004
Despedida da paisagem*
Não quero mal à Primavera
por ela aí estar de novo.
Não a culpo por,
como em cada ano,
cumprir as suas obrigações.
Compreendo que a minha tristeza
não detém a vegetação.
O cálamo se vacila
é só ao vento.
Não me causa dor
que sobre a água os tufos de amieiros
de novo tenham com que ramalhar.
Tomo em consideração
que, como se vivesses ainda,
a margem de certo lago
permaneça linda como foi.
Nada tenho contra
esta vista, à vista
da baía esplendorosa de sol.
Consigo até imaginar
que outros que não nós
se sentem neste momento
no tronco do pinheiro derrubado.
Respeito o seu direito
ao murmúrio, ao riso,
a um silêncio feliz.
Apostaria mesmo
que o amor os une
e que ele a envolve
com um braço vivo.
A passarada nova
rumoreja nos caniços.
Sinceramente lhes desejo
que a ouçam.
Não peço qualquer mudança
às ondas de junto à margem.
desenvoltas, preguiçosas,
rebeldes ao meu querer.
Nada exijo
aos fundos da água sob o bosque,
safira agora
e logo esmeralda
e logo negros.
Com uma coisa não concordo.
Em regressar lá.
Desisto dele -
do privilégio da presença.
Pois quanto baste eu Te sobrevivi,
apenas quanto baste,
para pensar com distância.
Wislawa Szymborska, Paisagem com Grão de Areia,
Relógio d'Água, 1998, Trad. de Júlio Sousa Gomes.
Não quero mal à Primavera
por ela aí estar de novo.
Não a culpo por,
como em cada ano,
cumprir as suas obrigações.
Compreendo que a minha tristeza
não detém a vegetação.
O cálamo se vacila
é só ao vento.
Não me causa dor
que sobre a água os tufos de amieiros
de novo tenham com que ramalhar.
Tomo em consideração
que, como se vivesses ainda,
a margem de certo lago
permaneça linda como foi.
Nada tenho contra
esta vista, à vista
da baía esplendorosa de sol.
Consigo até imaginar
que outros que não nós
se sentem neste momento
no tronco do pinheiro derrubado.
Respeito o seu direito
ao murmúrio, ao riso,
a um silêncio feliz.
Apostaria mesmo
que o amor os une
e que ele a envolve
com um braço vivo.
A passarada nova
rumoreja nos caniços.
Sinceramente lhes desejo
que a ouçam.
Não peço qualquer mudança
às ondas de junto à margem.
desenvoltas, preguiçosas,
rebeldes ao meu querer.
Nada exijo
aos fundos da água sob o bosque,
safira agora
e logo esmeralda
e logo negros.
Com uma coisa não concordo.
Em regressar lá.
Desisto dele -
do privilégio da presença.
Pois quanto baste eu Te sobrevivi,
apenas quanto baste,
para pensar com distância.
Wislawa Szymborska, Paisagem com Grão de Areia,
Relógio d'Água, 1998, Trad. de Júlio Sousa Gomes.