quarta-feira, março 10, 2004
Devagar se vai ao longe*
É um ditado velho mas agora, aqui, tem a ver com um trocadilho deliberado: porque foi na livraria Ler Devagar, essa mesmo, a do cantinho da rua de S. Boaventura, nas lisboas onde dá gosto apessoarmo-nos, que António Sáez Delgado, Ruy Ventura e - como apresentador - José Luís Peixoto, nos deixaram um pouco mais reconciliados com a existência ao lançarem os seus livros, respectivamente Dias, fumo(com capa do autor) e Assim se deixa uma casa (capa de Augusto Raínho).
José Luís Peixoto, escritor e ser humano que dá gosto frequentar, foi como sempre incisivo e brilhante – mas do brilho real daquilo que é verdadeiro (é um autor que não fala por falar) e que tem a ver com o mundo que todos nós sonhamos; Sáez Delgado, poeta de excelências interiores e de fino humor pessoal, temperado com a caballerosidad extremenha que sempre nos apraz sentir, deu-nos em espanhol e em lusitano um fragmento desse seu universo tão peculiar onde o dramatismo realça a desejável simplicidade da vida, das coisas, das ruas, do próprio rio Guadiana, o grande rio do sul partilhado por duas nações e, o que ainda é melhor, por poetas dos dois países. Por último, Ruy Ventura cruzou como autor e leitor – num gesto que se vai tornando cada vez mais necessário nesta sociedade que prima em desgraçar-nos – o seu percurso com o de dois grandes poetas que o vómito urbano, entre outras coisas tristes, tenta ocultar mesmo para além da morte, como se não bastasse a discrição que os rodeou enquanto vivos: Nuno Guimarães e Cristóvam Pavia. No seu texto de apresentação, RV chamou a capítulo Pessoa e o seu “Heróstrato”, “livro muito perigoso para os tempos que correm e, por isso, tão pouco citado”.
Já não ia a Lisboa – o que se chama ir, com voltinhas pelos lugares amados, olhares e andares repletos de nostalgia – há uns 4 anos (como talvez saibam, perco-me e acho-me em Espanha, extremaduras e andaluzias no mínimo, que a fronteira me fica à porta de casa). Por meu bem, por meu mal? Não sei, é assim. Mas quando, no fim de dois dias criadores com gente do peito, se tem como corolário uma sessão destas, digna e humana e sem pontinha de aperaltação e presunção – damo-nos graças pelo nosso reencontro com a capital do império – que por um par de horas foi para nós capital de luminosa e pura “beleza de uma raridade” (sic RV) a poesia do que de facto conta como exemplo e função de vida.
enviado por Nicolau Saião
É um ditado velho mas agora, aqui, tem a ver com um trocadilho deliberado: porque foi na livraria Ler Devagar, essa mesmo, a do cantinho da rua de S. Boaventura, nas lisboas onde dá gosto apessoarmo-nos, que António Sáez Delgado, Ruy Ventura e - como apresentador - José Luís Peixoto, nos deixaram um pouco mais reconciliados com a existência ao lançarem os seus livros, respectivamente Dias, fumo(com capa do autor) e Assim se deixa uma casa (capa de Augusto Raínho).
José Luís Peixoto, escritor e ser humano que dá gosto frequentar, foi como sempre incisivo e brilhante – mas do brilho real daquilo que é verdadeiro (é um autor que não fala por falar) e que tem a ver com o mundo que todos nós sonhamos; Sáez Delgado, poeta de excelências interiores e de fino humor pessoal, temperado com a caballerosidad extremenha que sempre nos apraz sentir, deu-nos em espanhol e em lusitano um fragmento desse seu universo tão peculiar onde o dramatismo realça a desejável simplicidade da vida, das coisas, das ruas, do próprio rio Guadiana, o grande rio do sul partilhado por duas nações e, o que ainda é melhor, por poetas dos dois países. Por último, Ruy Ventura cruzou como autor e leitor – num gesto que se vai tornando cada vez mais necessário nesta sociedade que prima em desgraçar-nos – o seu percurso com o de dois grandes poetas que o vómito urbano, entre outras coisas tristes, tenta ocultar mesmo para além da morte, como se não bastasse a discrição que os rodeou enquanto vivos: Nuno Guimarães e Cristóvam Pavia. No seu texto de apresentação, RV chamou a capítulo Pessoa e o seu “Heróstrato”, “livro muito perigoso para os tempos que correm e, por isso, tão pouco citado”.
Já não ia a Lisboa – o que se chama ir, com voltinhas pelos lugares amados, olhares e andares repletos de nostalgia – há uns 4 anos (como talvez saibam, perco-me e acho-me em Espanha, extremaduras e andaluzias no mínimo, que a fronteira me fica à porta de casa). Por meu bem, por meu mal? Não sei, é assim. Mas quando, no fim de dois dias criadores com gente do peito, se tem como corolário uma sessão destas, digna e humana e sem pontinha de aperaltação e presunção – damo-nos graças pelo nosso reencontro com a capital do império – que por um par de horas foi para nós capital de luminosa e pura “beleza de uma raridade” (sic RV) a poesia do que de facto conta como exemplo e função de vida.
enviado por Nicolau Saião