terça-feira, março 09, 2004
um instante antes de cair*
CANTO SEGUNDO
Esta manhã mal saí do portão
parecia-me ter esquecido alguma coisa em casa.
Dois passos até ao damasqueiro
e toca a regressar.
Agora que nada resta para fazer
fico sentado diante da janela
e pergunto-me a mim mesmo: Queres isto? Queres aquilo?
Deitei fogo a páginas de livros, a calendários
e mapas. Para mim a América
já não existe, a Austrália igualmente,
a China na minha cabeça é uma fragância,
a Rússia uma alva teia de aranha
e a África o sonho de um copo com água.
Há dois ou três dias sigo os passos de Pinela, o camponês,
que procura o mel das abelhas selvagens.
Tonino Guerra, O Mel,
Assírio & Alvim, 2004, Trad. de Mário Rui de Oliveira.
______________
A mim não me interessa nada como o mundo se organiza: interessa-me o modo como me estou organizando. Páro a escutar que chove; ofereço o olhar a cada entardecer e sou feliz, como ontem fui, ao aprender que as flores da cerejeira alcançam o máximo da sua brancura um instante antes de cair e morrer.
Sou um poeta. Um fulano qualquer que caminha ligeiramente levantado da terra e que, de vez em quando, cai, estatelando os tacões e enchendo-se de infelicidade.
Tonino Guerra, para recordar aqui e visitar aqui.
CANTO SEGUNDO
Esta manhã mal saí do portão
parecia-me ter esquecido alguma coisa em casa.
Dois passos até ao damasqueiro
e toca a regressar.
Agora que nada resta para fazer
fico sentado diante da janela
e pergunto-me a mim mesmo: Queres isto? Queres aquilo?
Deitei fogo a páginas de livros, a calendários
e mapas. Para mim a América
já não existe, a Austrália igualmente,
a China na minha cabeça é uma fragância,
a Rússia uma alva teia de aranha
e a África o sonho de um copo com água.
Há dois ou três dias sigo os passos de Pinela, o camponês,
que procura o mel das abelhas selvagens.
Tonino Guerra, O Mel,
Assírio & Alvim, 2004, Trad. de Mário Rui de Oliveira.
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A mim não me interessa nada como o mundo se organiza: interessa-me o modo como me estou organizando. Páro a escutar que chove; ofereço o olhar a cada entardecer e sou feliz, como ontem fui, ao aprender que as flores da cerejeira alcançam o máximo da sua brancura um instante antes de cair e morrer.
Sou um poeta. Um fulano qualquer que caminha ligeiramente levantado da terra e que, de vez em quando, cai, estatelando os tacões e enchendo-se de infelicidade.
Tonino Guerra, para recordar aqui e visitar aqui.