sábado, abril 24, 2004
A quatro tempos*
3.
A matéria, agora, é feita de consciência. Existe em mim a luz do meio dia como se eu fosse um terraço grego à beira do azul, os elementos todos conjugados com a língua sem que as palavras sejam necessárias – um hino de seixos sustidos e depois dispersados pelas sarças – e existem em mim as flores, as abelhas, o mel, o paladar do amor dentro do silêncio, o regozijo fértil das planícies se depois do desejo branco derramado o corpo caminha descalço desbotado debaixo do sol.
O homem levantou-se. Não sacudiu o pó da roupa nem olhou de forma prolongada o que se havia transformado na paisagem, sabia que as aparências abundavam à superfície das coisas, assim mesmo como numa redundância, e que tudo o fora feito e o que havia ainda a fazer eram só uma fórmula fácil de dizer o mundo e de morrer mais devagar. Pegou no cantil para preparar a sede e no livro para guardar o cansaço, tudo o que ali era importante colocado ao mesmo nível dos pés como uma intenção sagrada ou a certeza de que não se pode respirar junto às árvores de cheiro sem um poema ou a imaginação. A mulher existente estava agora de costas, com as nuvens como sombras ou as sombras como nuvens à altura do olhar indisponível. Pela primeira vez, o homem não soube o que dizer.
– Aqui estou eu a descrever o que é próprio do mundo e das naturezas mortas, o que é próprio dos animais sedentos e das vigílias que crescem junto aos abismos como flores silvestres, o que é próprio dos ritos e dos risos, o que é próprio dos deuses dobrados ou dobados em filigrana e das embalagens fora de prazo e do amor comovido como um sopro sobre o ombro e das estátuas sem o medo.
[continua]
3.
A matéria, agora, é feita de consciência. Existe em mim a luz do meio dia como se eu fosse um terraço grego à beira do azul, os elementos todos conjugados com a língua sem que as palavras sejam necessárias – um hino de seixos sustidos e depois dispersados pelas sarças – e existem em mim as flores, as abelhas, o mel, o paladar do amor dentro do silêncio, o regozijo fértil das planícies se depois do desejo branco derramado o corpo caminha descalço desbotado debaixo do sol.
O homem levantou-se. Não sacudiu o pó da roupa nem olhou de forma prolongada o que se havia transformado na paisagem, sabia que as aparências abundavam à superfície das coisas, assim mesmo como numa redundância, e que tudo o fora feito e o que havia ainda a fazer eram só uma fórmula fácil de dizer o mundo e de morrer mais devagar. Pegou no cantil para preparar a sede e no livro para guardar o cansaço, tudo o que ali era importante colocado ao mesmo nível dos pés como uma intenção sagrada ou a certeza de que não se pode respirar junto às árvores de cheiro sem um poema ou a imaginação. A mulher existente estava agora de costas, com as nuvens como sombras ou as sombras como nuvens à altura do olhar indisponível. Pela primeira vez, o homem não soube o que dizer.
– Aqui estou eu a descrever o que é próprio do mundo e das naturezas mortas, o que é próprio dos animais sedentos e das vigílias que crescem junto aos abismos como flores silvestres, o que é próprio dos ritos e dos risos, o que é próprio dos deuses dobrados ou dobados em filigrana e das embalagens fora de prazo e do amor comovido como um sopro sobre o ombro e das estátuas sem o medo.
[continua]