segunda-feira, maio 10, 2004
domingo no convento*
américo rodrigues com os seus poemas sonoros foi a inesperada, mas agradável, surpresa. na verdade, ía ao convento pelos livros, não sabia da performance. até porque suspeito sempre de "instalações" e de "performances", claro que de arte percebo pouco e nas instalações e performances uma pessoa que percebe pouco de arte arrisca-se a gostar do que não é de gostar ou vice-versa, está-se mais desprotegido.
mas mais surpresas, pensei que iria ver duas claras, afinal, apenas uma, engano meu por certo. o zé eduardo (agualusa) contou histórias, a clarinha (pinto correia) cantou e ondi (ondjaki) assobiou. falaram um pouquinho dos livros, a clarinha voltou a cantar, mas agora em islandês, o ondi voltou a assobiar, o zé disse mais umas piadas, por fim cantámos todos. pelo meio comi uma enxovalhada de chorar por mais.
aqui há uns anos nada me entusiasmava em montemor, era só aquela terrinha por onde passava no regresso a évora. depois, um dia, um senhor chamado rui horta instalou-se por lá.
(comprei um livro, mas penitencio-me, nem da clarinha, nem do zé, nem sequer do ondi, a seu tempo.)
notas finais para acabar de arruinar o post:
saíamos da sala onde o américo gritara sussurrara suspirara inspirara expirara regorgitara vogais consoantes e coisas que não cabem em alfabéticos fonéticos que eu conheça, dizia, saíamos para o piso superior dos claustros. suponho que tinha qualquer coisa a ver com a luz da tarde em declínio, a luz é sempre determinante, a clara em afectação sentada no muro e a meu lado dizia-se "dá vontade de chegar e pedir se se pode ficar ali um bocadinho a admirá-la, não dá?", caramba, como dava. "importa-se que me sente aqui um bocadinho só a olhá-la?, fico quietinha, prometo.", sempre quis dizer isto a alguém.
não conhecia o ondjaki, mas assim que o vi entrar percebi que era ele, as tranças os óculos, um certo balanço no andar. um miúdo, mais novo que eu, imagine-se, bonito, muito giro mesmo, contador de histórias com sorrisos. pena que não o vi debaixo de uma luz das sete horas, sentado num muro, a pensar na morte da bezerra.
o agualusa trazia um casaco preto que lhe assentava muito bem (já antes reparei como lhe assenta bem a roupa, pergunto-me se a fará por medida, se terá um velho alfaiates daqueles já não há), o agualusa tem uma pronúncia deliciosa que assenta nas palavras como a roupa assenta nele. estou certa que derreteria se o tivesse visto. debaixo de uma luz natural, sentado num muro de pedra, pensando palavras pronunciadas como ele pronuncia.
américo rodrigues com os seus poemas sonoros foi a inesperada, mas agradável, surpresa. na verdade, ía ao convento pelos livros, não sabia da performance. até porque suspeito sempre de "instalações" e de "performances", claro que de arte percebo pouco e nas instalações e performances uma pessoa que percebe pouco de arte arrisca-se a gostar do que não é de gostar ou vice-versa, está-se mais desprotegido.
mas mais surpresas, pensei que iria ver duas claras, afinal, apenas uma, engano meu por certo. o zé eduardo (agualusa) contou histórias, a clarinha (pinto correia) cantou e ondi (ondjaki) assobiou. falaram um pouquinho dos livros, a clarinha voltou a cantar, mas agora em islandês, o ondi voltou a assobiar, o zé disse mais umas piadas, por fim cantámos todos. pelo meio comi uma enxovalhada de chorar por mais.
aqui há uns anos nada me entusiasmava em montemor, era só aquela terrinha por onde passava no regresso a évora. depois, um dia, um senhor chamado rui horta instalou-se por lá.
(comprei um livro, mas penitencio-me, nem da clarinha, nem do zé, nem sequer do ondi, a seu tempo.)
notas finais para acabar de arruinar o post:
saíamos da sala onde o américo gritara sussurrara suspirara inspirara expirara regorgitara vogais consoantes e coisas que não cabem em alfabéticos fonéticos que eu conheça, dizia, saíamos para o piso superior dos claustros. suponho que tinha qualquer coisa a ver com a luz da tarde em declínio, a luz é sempre determinante, a clara em afectação sentada no muro e a meu lado dizia-se "dá vontade de chegar e pedir se se pode ficar ali um bocadinho a admirá-la, não dá?", caramba, como dava. "importa-se que me sente aqui um bocadinho só a olhá-la?, fico quietinha, prometo.", sempre quis dizer isto a alguém.
não conhecia o ondjaki, mas assim que o vi entrar percebi que era ele, as tranças os óculos, um certo balanço no andar. um miúdo, mais novo que eu, imagine-se, bonito, muito giro mesmo, contador de histórias com sorrisos. pena que não o vi debaixo de uma luz das sete horas, sentado num muro, a pensar na morte da bezerra.
o agualusa trazia um casaco preto que lhe assentava muito bem (já antes reparei como lhe assenta bem a roupa, pergunto-me se a fará por medida, se terá um velho alfaiates daqueles já não há), o agualusa tem uma pronúncia deliciosa que assenta nas palavras como a roupa assenta nele. estou certa que derreteria se o tivesse visto. debaixo de uma luz natural, sentado num muro de pedra, pensando palavras pronunciadas como ele pronuncia.