quarta-feira, maio 26, 2004
Feira do Livro #2*
Persona
O que eu escrevi não é um argumento de um filme no sentido habitual do termo. É algo que se assemelha mais a uma linha melódica que irei orquestrar, assim espero, durante a rodagem com a ajuda dos meus colaboradores. Sinto-me indeciso em relação a numerosos pontos e acontece-me até em determinados momentos não ter a menor ideia do que poderá acontecer. Isto, porque descobri que o assunto por mim escolhido é ele próprio uma imensidão e que a selecção que serei obrigado a fazer das sequências a incluir no filme definitivo (só de pensar nisto fico com calafrios!) não pode deixar de ser necessariamente arbitrária. Por isso eu convoco a fantasia do leitor ou do espectador a fazer uso livre dos elementos que coloco à sua disposição.
I
Penso na película transparente a passar a toda a velocidade através do aparelho de projecção. Virgem de qualquer sinal ou imagem, ela vai permitir ao ecrã reflectir uma luz que crepita. Pelos altifalantes perceberemos apenas o som surdo do amplificador e o leve ruído das partículas de pó que passam pela cabeça de leitura.
A luz estabiliza-se e torna-se mais densa. Sons incoerentes e fragmentos de palavras semelhantes a estalidos breves começam a soltar-se, pouco a pouco, das paredes e do tecto.
Na brancura do ecrã surgem os contornos de uma nuvem, ou talvez seja o reflexo da água, não, é mesmo uma nuvem, ou antes, uma árvore encimada por uma enorme coroa de folhagem, não, é uma paisagem lunar.
O sussurro vai-se amplificando em movimentos ondulatórios e palavras inteiras (incoerentes, longínquas) começam a distinguir-se como sombras de peixes em águas profundas.
Afinal não é uma nuvem, não é uma árvore frondosa, é um rosto cujo olhar fixa o espectador. O rosto de Alma, a enfermeira.
Ingmar Bergman, Lágrimas e Suspiros, seguido de Persona e de Dependência, Assírio Alvim, 2002.
___________
Pensando na Janela Indiscreta.
Persona
O que eu escrevi não é um argumento de um filme no sentido habitual do termo. É algo que se assemelha mais a uma linha melódica que irei orquestrar, assim espero, durante a rodagem com a ajuda dos meus colaboradores. Sinto-me indeciso em relação a numerosos pontos e acontece-me até em determinados momentos não ter a menor ideia do que poderá acontecer. Isto, porque descobri que o assunto por mim escolhido é ele próprio uma imensidão e que a selecção que serei obrigado a fazer das sequências a incluir no filme definitivo (só de pensar nisto fico com calafrios!) não pode deixar de ser necessariamente arbitrária. Por isso eu convoco a fantasia do leitor ou do espectador a fazer uso livre dos elementos que coloco à sua disposição.
I
Penso na película transparente a passar a toda a velocidade através do aparelho de projecção. Virgem de qualquer sinal ou imagem, ela vai permitir ao ecrã reflectir uma luz que crepita. Pelos altifalantes perceberemos apenas o som surdo do amplificador e o leve ruído das partículas de pó que passam pela cabeça de leitura.
A luz estabiliza-se e torna-se mais densa. Sons incoerentes e fragmentos de palavras semelhantes a estalidos breves começam a soltar-se, pouco a pouco, das paredes e do tecto.
Na brancura do ecrã surgem os contornos de uma nuvem, ou talvez seja o reflexo da água, não, é mesmo uma nuvem, ou antes, uma árvore encimada por uma enorme coroa de folhagem, não, é uma paisagem lunar.
O sussurro vai-se amplificando em movimentos ondulatórios e palavras inteiras (incoerentes, longínquas) começam a distinguir-se como sombras de peixes em águas profundas.
Afinal não é uma nuvem, não é uma árvore frondosa, é um rosto cujo olhar fixa o espectador. O rosto de Alma, a enfermeira.
Ingmar Bergman, Lágrimas e Suspiros, seguido de Persona e de Dependência, Assírio Alvim, 2002.
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Pensando na Janela Indiscreta.