segunda-feira, maio 10, 2004
fuga da morte*
No passado Sábado as cinco meninas da Turma 12.º E da Escola Secundária de Vilela (a Ana Leal, a Fábia Bessa, a Juliana Nunes, a Sandra Alves e a Sara Dias) voltaram ao palco - desta feita, mesmo a um palco, na Casa da Cultura de Paredes - e, durante uma hora, conseguiram dar a volta às últimas filas da plateia que teimavam em não respeitar as sucessivas mudanças de cena que a peça exigia. Quando terminou a última cena - o "Fuga da Morte" de Célan dito como se não fossem corpos a dizê-lo - o silêncio prolongou-se para além das últimas palavras.
FUGA DA MORTE [TODESFUGE]
Leite negro da madrugada bebemo-lo ao entardecer
bebemo-lo ao meio-dia e pela manhã bebemo-lo de noite
bebemos e bebemos
cavamos um túmulo nos ares aí não ficamos apertados
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro Margarete
escreve e põe-se à porta da casa e as estrelas brilham
assobia e vêm os seus cães
assobia e saem os seus judeus manda abrir uma vala na terra
ordena-nos agora toquem para começar a dança
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te pela manhã e ao meio-dia bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro Margarete
Os teus cabelos de cinza Sulamith cavamos um túmulo nos ares aí não ficamos apertados
Ele grita cavem mais fundo no reino da terra vocês aí e vocês outros cantem e toquem
leva a mão ao ferro que traz à cintura balança-o azuis são os seus olhos
enterrem as pás mais fundo vocês aí e vocês outros continuem a tocar para a dança
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia e pela manhã bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith ele brinca com as serpentes
E grita toquem mais doce a música da morte a morte é um mestre que veio da Alemanha
grita arranquem tons mais escuros dos violinos depois feitos fumo subireis aos céus
e tereis um túmulo nas nuvens aí não ficamos apertados
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia a morte é um mestre que veio da Alemanha
bebemos-te ao entardecer e pela manhã bebemos e bebemos
a morte é um mestre que veio da Alemanha azuis são os teus olhos
atinge-te com uma bala de chumbo acerta-te em cheio
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
atiça contra nós os seus cães oferece-nos um túmulo nos ares
brinca com as serpentes e sonha a morte é um mestre que veio da Alemanha
os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith
in Paul Celan, Sete Rosas mais tarde: Antologia Poética
(sel., trad. e introd. de João Barrento e Y. K. Centeno),
Lisboa, Edições Cotovia, 1996.
No passado Sábado as cinco meninas da Turma 12.º E da Escola Secundária de Vilela (a Ana Leal, a Fábia Bessa, a Juliana Nunes, a Sandra Alves e a Sara Dias) voltaram ao palco - desta feita, mesmo a um palco, na Casa da Cultura de Paredes - e, durante uma hora, conseguiram dar a volta às últimas filas da plateia que teimavam em não respeitar as sucessivas mudanças de cena que a peça exigia. Quando terminou a última cena - o "Fuga da Morte" de Célan dito como se não fossem corpos a dizê-lo - o silêncio prolongou-se para além das últimas palavras.
FUGA DA MORTE [TODESFUGE]
Leite negro da madrugada bebemo-lo ao entardecer
bebemo-lo ao meio-dia e pela manhã bebemo-lo de noite
bebemos e bebemos
cavamos um túmulo nos ares aí não ficamos apertados
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro Margarete
escreve e põe-se à porta da casa e as estrelas brilham
assobia e vêm os seus cães
assobia e saem os seus judeus manda abrir uma vala na terra
ordena-nos agora toquem para começar a dança
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te pela manhã e ao meio-dia bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
Na casa vive um homem que brinca com serpentes escreve
escreve ao anoitecer para a Alemanha os teus cabelos de oiro Margarete
Os teus cabelos de cinza Sulamith cavamos um túmulo nos ares aí não ficamos apertados
Ele grita cavem mais fundo no reino da terra vocês aí e vocês outros cantem e toquem
leva a mão ao ferro que traz à cintura balança-o azuis são os seus olhos
enterrem as pás mais fundo vocês aí e vocês outros continuem a tocar para a dança
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia e pela manhã bebemos-te ao entardecer
bebemos e bebemos
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith ele brinca com as serpentes
E grita toquem mais doce a música da morte a morte é um mestre que veio da Alemanha
grita arranquem tons mais escuros dos violinos depois feitos fumo subireis aos céus
e tereis um túmulo nas nuvens aí não ficamos apertados
Leite negro da madrugada bebemos-te de noite
bebemos-te ao meio-dia a morte é um mestre que veio da Alemanha
bebemos-te ao entardecer e pela manhã bebemos e bebemos
a morte é um mestre que veio da Alemanha azuis são os teus olhos
atinge-te com uma bala de chumbo acerta-te em cheio
na casa vive um homem os teus cabelos de oiro Margarete
atiça contra nós os seus cães oferece-nos um túmulo nos ares
brinca com as serpentes e sonha a morte é um mestre que veio da Alemanha
os teus cabelos de oiro Margarete
os teus cabelos de cinza Sulamith
in Paul Celan, Sete Rosas mais tarde: Antologia Poética
(sel., trad. e introd. de João Barrento e Y. K. Centeno),
Lisboa, Edições Cotovia, 1996.