domingo, setembro 05, 2004
ainda o Encontro do Vento 2004 #1*
O Vento
No começo era o vento:
o vento da chuva, o vento do sol
o vento só vento ou não mais do que um sopro
na cara no corpo ou à esquina das casas
O vento das palavras e o vento que se lembra
ou que se esquece e nos faz pensar
em manhãs de vento, do vento que vem
de noite e atormenta
e nos rouba de súbito
todas as memórias, todos os minutos.
Vento
das árvores e dos desejos
vento vulgar vento da solidão
agora já só vento de vazios ou de presenças idas
vento duma ave que passa
vento duma voz que já não se ouve
vento que se ouve ao longe
vento dos anos ventos nas mãos que se não tocam
vento de tudo o que morreu.
Vento que não existe
que nunca existirá
vento das folhas que ondeiam no ar
vento das folhas dos livros nunca escritos
vento que pára de repente e cresce em nossa volta
e nos ensina os pontos cardeais
e nos faz erguer o rosto e olhar o horizonte
vento de coisas ao vento de momentos tão nossos
vento do mar na nossa cabeça inclinada.
Vento que sabe nascer nas florestas
nos desertos e nas ruelas
vento que sabe matar nas cidades
vento que corre em todo o tempo em todo o mundo
vento que é só remorso
só um sinal
só o sinal que jamais tivemos
de vento que rola no nosso perfil desfeito.
Nicolau Saião
O Vento
o vento dissolve a pedra e a memória -
este braço sem cinza, sem sangue.
o vento escurece. os ombros e o cabelo.
essa voz e a inscrição do medo
sobre o lintel que sustenta o coração.
solene, o vento sangra este corpo -
até deixar apenas algumas folhas de ouro,
pedaços de madeira que a terra conservou.
(que tinta bebeste na sombra da serpente?)
a água corrói esse rosto, solve e coagula.
esquece os dedos e a raiz, o peso e o fogo.
a cinza fertiliza as vozes e o caminho.
ferida sem lugar, o vento tece
outra alma. dispersa sobre as águas
a seiva com que alimenta essa língua.
o vento alimenta a pedra e a memória.
ora. e labora. ora. e labora. ora e
labora - dissolvendo sobre os ombros
o peso e a sombra da poeira
que escreve esta rua, esta torre,
esta fonte que sacia o coração.
Ruy Ventura
in Vento/ Viento: Sombra de Vozes/ Sombra de Voces,
Salamanca, CM do Fundão e C.E.L.Y.A, 2004.
O Vento
"O vento, diz um deles
e sorri"
in Flauta de Pan
No começo era o vento:
o vento da chuva, o vento do sol
o vento só vento ou não mais do que um sopro
na cara no corpo ou à esquina das casas
O vento das palavras e o vento que se lembra
ou que se esquece e nos faz pensar
em manhãs de vento, do vento que vem
de noite e atormenta
e nos rouba de súbito
todas as memórias, todos os minutos.
Vento
das árvores e dos desejos
vento vulgar vento da solidão
agora já só vento de vazios ou de presenças idas
vento duma ave que passa
vento duma voz que já não se ouve
vento que se ouve ao longe
vento dos anos ventos nas mãos que se não tocam
vento de tudo o que morreu.
Vento que não existe
que nunca existirá
vento das folhas que ondeiam no ar
vento das folhas dos livros nunca escritos
vento que pára de repente e cresce em nossa volta
e nos ensina os pontos cardeais
e nos faz erguer o rosto e olhar o horizonte
vento de coisas ao vento de momentos tão nossos
vento do mar na nossa cabeça inclinada.
Vento que sabe nascer nas florestas
nos desertos e nas ruelas
vento que sabe matar nas cidades
vento que corre em todo o tempo em todo o mundo
vento que é só remorso
só um sinal
só o sinal que jamais tivemos
de vento que rola no nosso perfil desfeito.
Nicolau Saião
O Vento
o vento dissolve a pedra e a memória -
este braço sem cinza, sem sangue.
o vento escurece. os ombros e o cabelo.
essa voz e a inscrição do medo
sobre o lintel que sustenta o coração.
solene, o vento sangra este corpo -
até deixar apenas algumas folhas de ouro,
pedaços de madeira que a terra conservou.
(que tinta bebeste na sombra da serpente?)
a água corrói esse rosto, solve e coagula.
esquece os dedos e a raiz, o peso e o fogo.
a cinza fertiliza as vozes e o caminho.
ferida sem lugar, o vento tece
outra alma. dispersa sobre as águas
a seiva com que alimenta essa língua.
o vento alimenta a pedra e a memória.
ora. e labora. ora. e labora. ora e
labora - dissolvendo sobre os ombros
o peso e a sombra da poeira
que escreve esta rua, esta torre,
esta fonte que sacia o coração.
Ruy Ventura
in Vento/ Viento: Sombra de Vozes/ Sombra de Voces,
Salamanca, CM do Fundão e C.E.L.Y.A, 2004.