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segunda-feira, setembro 27, 2004

Ainda a propósito do despropósito*

Alguns malefícios da autonomia

Não fiquei surpreendido quando, há poucos dias, no meio da confusão gerada pelo atraso na publicação das listas de colocação de professores, vi novo ser levantada a bandeira da “descentralização”. De facto, qualquer político que se preze coloca no seu discurso palavras como “autonomia”, “regionalização”, “descentralização”, etc.. Correspondendo muitas vezes a chavões que visam iludir os ouvintes ou mostrar engodo às clientelas partidárias, o facto é que estes termos têm tomado uma cada vez maior importância na linguagem política.

Mas, voltando aos concursos de professores, houve logo quem viesse à televisão apresentar o exemplo de uma escola minhota que, ao abrigo de um “contrato de autonomia”, pode escolher os seus próprios professores – estando por isto já a funcionar em pleno. Vários “especialistas” apresentaram-se a defender este modelo de recrutamento, porque assim, dizem, “o corpo docente é contratado em função das garantias de integração no projecto educativo da escola” e não a partir de critérios “meramente burocráticos” (referiam-se à média final do curso e ao tempo de serviço, frutos do trabalho dos professores como estudantes e como docentes). Apareceram ainda outros a defender que deveriam ser as autarquias locais a contratar os professores para as escolas dos seus concelhos, mas adiante...

Poderia já escrever aqui a frase que um dia ouvi a um velhote transmontano: “Muito bom latim canta o meu Joaquim...” Mas não. Prefiro recordar outros exemplos de autonomia na contratação do pessoal.

Começo pelas autarquias. Geralmente o recrutamento é feito com base no perfil curricular, numa prova e numa entrevista. Até aqui tudo bem (ou nem tanto, tendo em conta que os anúncios de emprego nem sempre são visíveis, a não ser para aqueles que irão usar o fato por medida). Mas há um pormenor: na ponderação dos elementos de avaliação, os gestores do município podem dar à entrevista o peso que entenderem. Os resultados, em muitas terras deste país, são conhecidos. Costumam traduzir-se na contratação dos amigos, dos filhos dos amigos ou de rapazes que trazem consigo um cartão partidário – mesmo que sejam incompetentes.

Passo agora para o Ensino Superior – cuja autonomia inclui a possibilidade de definição de regras para a admissão de professores. A decisão é normalmente colocada nos departamentos que, após avaliação curricular, escolhem o docente a contratar. Também na altura do despedimento (da “não renovação do contrato ou da requisição”, como diz o eufemismo) são os departamentos que decidem. Não sendo necessários critérios explícitos para estes passos... bem... o resultado adivinha-se. Há sempre a possibilidade de contratar uma antiga aluna, ainda que o currículo desta seja fraco, e deixar de fora um candidato “desconhecido” com provas dadas. Do mesmo modo, há sempre maneira de justificar (nem que seja com mentiras) a saída de um professor com mestrado e muitas publicações, deixando no seu lugar uma licenciada com currículo invisível.

Se não fiquei surpreendido com a ideia de colocar nas escolas ou nas autarquias a capacidade de contratarem os professores, confesso que fiquei preocupado, partindo de situações em que a “autonomia” é já uma (triste) realidade. Recordei, para além os exemplos apresentados, as antigas “autopropostas”. Um docente desempregado enviava para uma escola o seu currículo para eventual preenchimento de um horário disponível. Em tantos casos, não fosse ele conhecido do Conselho Directivo ou de alguém ligado à direcção, os documentos eram arquivados – pois inevitavelmente era escolhida uma pessoa “de confiança”, nem que para isso fosse preciso pôr uma educadora de infância a leccionar Educação Visual ou um licenciado em Francês a dar aulas de Físico-Química...

enviado por Ruy Ventura


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