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sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Decisões*

Erguermo-nos de um estado miserável tem de ser fácil, mesmo que com uma energia premeditada. Arranco-me à poltrona, circundo a mesa, solto a cabeça e o pescoço, dou fogo aos olhos, estico os músculos que os rodeiam. Contrario todas as sensações, se A. vier cumprimento-o entusiasticamente, tolero B. amigavelmente no meu quarto, em casa de C., apesar da dor e do esforço, engulo o que é dito com longos tragos.

Mas mesmo que consiga fazer isto, um erro qualquer - e os erros são inevitáveis - bastará para que tudo, o fácil e o difícil, falhe e então vou ter de voltar atrás no círculo.

Por isso o mais aconselhável continua a ser aceitar tudo o que vier, comportamo-nos como uma massa pesada, e, no caso de nos sentirmos postos de parte, não deixar que nos façam dar um passo desnecessário, fitar os outros com um olhar animal, não sentir remorsos, ou seja, esmagar com a própria mão todos os fantasmas da vida que ainda restarem, o que quer dizer intensificar um pouco mais o último sossego tumular e não permitir que mais nada subsista para além dele.

Um movimento característico de uma condição destas é passar o dedo mínimo pela sobrancelha.

Franz Kafka, Os Contos, Assírio & Alvim, 2004.

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