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sexta-feira, julho 23, 2004

Para Carlos Paredes*

I

Que dizer desta guitarra
que era terra e que era mar
que era fogo e que era água
e sol aberto no ar?

Que era a vida a existir
nos sítios da maior esp’rança
e em qualquer outro lugar?

Que dizer desta guitarra
impossível de calar
- fôsse nos anos do ódio
seja nos tempos de amar,
que nuns cantava chorando
e noutros chora a cantar?

Que ao correr dos nossos dias
nos irá acompanhar?

Que dizer desta guitarra
que na ternura das horas
sempre iremos recordar?


II

O som das cordas retesadas
e o cântico indistinto abandonado
das cidades na noite que ao encontro
da memória e dos minutos serenamente
dormem    serenamente esperam
sob a luz que num perfil
de homem ou de animal
sabe que além do rio
há um acorde que nunca cessará
mesmo silencioso

ou desfeito.

enviado por Nicolau Saião

cordas*

lá na terra onde cresci havia coisas inesperadas, como sempre as há em todo o lado. uma vez, foi a música. durante várias noites, na igreja de st. maria do castelo, agrupamentos diversos. foi a primeira vez que ouvi uma orquestra sinfónica, o que quer que isso fosse, ou o que dela cabia no pequeno altar. as igrejas, algumas igrejas, têm esta coisa da acústica, que me dizem faz toda a diferença. numa dessas noites prometiam-nos guitarras às mãos de uns prodigiosos italianos. isto do prodígio é metido por mim, quer-me parecer que eram mesmo bons. e tão bons deviam ser os ditos italianos, que na fila da frente da pequena igreja se instalara o mestre.
à hora, lá estava o lacerda (o lacerda era o chefe da divisão sócio-cultural da câmara, era e é. na verdade, nem estou absolutamente segura de que se tratava do lacerda, lá no altar da igreja, naquele dia, mas é muito provável que fosse. não se espere de mim rigor factual.). e então o lacerda começa com esta conversa do tipo estamos muito honrados e blá blá blá, por termos tão proeminente figura e blá blá blá e mais honrados ficaríamos se nos honrasse com um a sua música, se o mestre não se importasse, antes dos italianos, faça-nos lá o jeitinho. levantou-se um velhote à minha frente, acompanhado de uma senhora e, como já na altura não era assim tão parva quanto posso parecer, percebi de que mestre se tratava. lembro-me que naquele momento momento, a meu favor tinha a natural estupidez dos dezasseis anos, ocorreu-me que mais valia deixar o senhor em paz, que, se demorara aquele tempo a levantar-se e a dirigir-se para a cadeirinha que lhe haviam destinado, o mais certo seria que a destreza das mãos lhe falhasse já também. foi porrada, a música que recebi naquele dia, mereci cada vergastada. lembro-me que eram bons, os italianos que vieram a seguir, sim, muito bons... lembro-os muito vagamente. não sei se alguma vez a música voltou a baixar naquela terra, como naquela noite.

quarta-feira, julho 21, 2004

voyage*



algo me diz que para chegar da 25 de abril ao ccb não é preciso ir até ao restelo, mas foi assim que lá cheguei, importa que cheguei.
a viagem começou com uma canção cigana, húngara, daí para o yiddish. enfim, não interessa o alinhamento, até porque não o saberia dizer. interessa que se tratou de um espectáculo fabuloso (com toda a consciência de que sou uma deslumbrada, é verdade). deu-nos aquilo que se esperava. bem, não nos deu nada de punishing kiss, contra aquilo que eu desejava, nem mesmo no encore, mas consegui perdoar. piaf, brel, weill, all that jazz, and then some. o de sempre, como só ela pode, com voz, corpo e discurso afinadíssimos.
suspeito também que para chegar do ccb à 25 de abril não é necessário passar pela praça de espanha, mas uma pessoa fica perturbada depois de um espectáculo destes.


dualidades mí­nimas #51

O amor como o pólen:
ao fim da tarde
acumula-se pelo chão.


Sandra Costa

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