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sábado, janeiro 03, 2004

Beau Séjour*



Beau Séjour, Manuel de Freitas

Pela primeira vez, que se lembrasse, lera um livro de poesia do princípio ao fim. Há conjugações de tempos e modos assim: aldeias que sustentam e exigem um poema atrás de outro, ainda que as suas tabernas e a sua morte sejam outras (já se disse que ela ainda não aprendera a gostar de vinho); infâncias que se reconhecem ou se deixam em cima da mesa para que não tentem destinos; fotografias aonde se chega tarde demais, ainda que a morte ronde deste e do outro lado das páginas.

E versos que queimam:

Naquela noite, de que me fiz orfão,
deveria ter dito tudo
menos «até amanhã».


Princípio*

Era noite na aldeia e isso era tudo:
assim fosse perfeito o princípio de todas
as coisas que queremos guardar num poema.

.................................................

Em Roios, a 5 kms de Vila Flor, debaixo da noite havia um tronco a arder e quase toda uma aldeia reunida, desejando 'bom ano' a uma estranha. Ela recusou o copo do vinho, que ainda não aprendera a gostar, apesar de em Setembro se desequilibrar em cima de umas escadas de madeira a escrever poemas sobre vindimas. Pediu desculpa também por não saber dançar e para evitar outros constrangimentos fugiu para a varanda da Junta, de forma a observar melhor as estrelas. Imaginou-as reflectidas num rio e escreveu uma sms. Ela e 75 milhões, alguém o contabilizou. O fim da noite coincidiu com velhas canções a anunciar o ano, entre casas de xisto e memórias que não eram suas. Mas sentiu-se bem. Esqueceu-se de si.

terça-feira, dezembro 30, 2003

desafio concluído,*
[esperemos que nenhuma palavra tenha ficado
esquecida pelo caminho], resta dizer que a participação de tantos
leitores foi uma agradável surpresa e o nosso próprio
presente de Natal (acho que posso falar pela Cláudia também).
A todos, muito obrigada, e regressem sempre.


O que quero dos regressos e dos poemas
é essa circunstância de serem fontes.

Sandra Costa


Feliz 2004.

prenda de Natal para a Rosa Melo*

tardia

se as tardes se enrolam no meu peito
tardia se faz a respiração destes poemas

Sandra Costa

prenda de Natal para Wild Berry*

olhar

se fecho os olhos e o mundo
em mim permanece
não me contento em olhar para ti e
não te ter na ponta dos dedos

Sandra Costa

prenda de Natal para M.*

maio

creio em giestas nos poemas
quando as manhãs se aproximam do Verão

creio em grinaldas desfeitas pelo vento
ainda que me proteja sob as árvores

creio nos corpos encobertos pelo tojo
se ao longe a planí­cie não se altera de silêncio

creio que se aproximam regressos
se é só de distância que se fazem os voos dos pássaros

Sandra Costa

prenda de Natal para Uther*

miosótis

porque sei te encantam as lendas
ofereço-te miosótis

— minto—

para dizer que temo
um dia te esqueças de mim
— é por isso

encho-te as mãos de azul e peço-te
que abras os braços no movimento de quem
abre janelas como quem recebe as árvores
como se me oferecesses o peito

Cláudia Caetano

prenda de Natal para o jcb*

árvore

Haveremos de tocar o tronco das árvores
somo se esse fosse o último destino dos homens:
cair                como sombras sobre as coisas.

Sandra Costa

prenda de Natal para Seni*

alma

deita-te aqui comigo de olhos fechados
e de palavras ancoradas
quero que percebas que no mais fundo
e secreto de mim há negrume e silêncio
e como daí— do negrume e do silêncio—
podem nascer as cores e renovar-se a alma
basta que
te deites aqui comigo resumindo a noite
como quando se dorme

Cláudia Caetano

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