sábado, agosto 23, 2003
alguns blogs por onde anda a poesia #4*
-- tracejado --
A Natureza do Mal
aqui não há poeta
Linha de Cabotagem**
little black spot
Lugar da incerteza
Modus Vivendi**
No Arame
Outro Lado da Lua
Palavras & Letras
rain song
Ruialme
um desejo de nada
[**novidades e resumo]
-- tracejado --
A Natureza do Mal
aqui não há poeta
Linha de Cabotagem**
little black spot
Lugar da incerteza
Modus Vivendi**
No Arame
Outro Lado da Lua
Palavras & Letras
rain song
Ruialme
um desejo de nada
[**novidades e resumo]
húmus #4*
«Todo o trabalho insano é este: reduzir a vida a uma insignificância, edificar um muro feito de pequenas coisas diante da vida. Tapá-la, escondê-la, esquecê-la.» (Raul Brandão, Húmus, p. 10)
a cama por fazer e abrir
descalça a janela
azul a manhã para além
dos telhados que quebram o olhar
em frente ao frigorífico
escolher o sumo ou o leite
que se bebe quando a sede
não é do corpo? perguntas
para as paredes o verão que está
a acabar não é importante
construir um muro rente à boca
pequenas coisas ficam por dizer
«Todo o trabalho insano é este: reduzir a vida a uma insignificância, edificar um muro feito de pequenas coisas diante da vida. Tapá-la, escondê-la, esquecê-la.» (Raul Brandão, Húmus, p. 10)
a cama por fazer e abrir
descalça a janela
azul a manhã para além
dos telhados que quebram o olhar
em frente ao frigorífico
escolher o sumo ou o leite
que se bebe quando a sede
não é do corpo? perguntas
para as paredes o verão que está
a acabar não é importante
construir um muro rente à boca
pequenas coisas ficam por dizer
mistérios*
[...] Assim, de repente, até parece que a morte é uma coisa sem mistérios, não é? Sim, porque só as superfícies misteriosas ou desconhecidas nos conseguem imprimir tanta dor. Confundo dor e medo nesta questão dos mistérios? Provavelmente, mas diz-me... Nunca tiveste medo de morrer?
[...] Assim, de repente, até parece que a morte é uma coisa sem mistérios, não é? Sim, porque só as superfícies misteriosas ou desconhecidas nos conseguem imprimir tanta dor. Confundo dor e medo nesta questão dos mistérios? Provavelmente, mas diz-me... Nunca tiveste medo de morrer?
ruído de fundo*
ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo
ruído de fundo
ruído de fundo ruído de fundo
ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo
ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo
ruído de fundo
ruído de fundo
ruído de fundo
ruído de fundo
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ruído de fundo
ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo
ruído de fundo
ruído de fundo ruído de fundo
ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo
ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo ruído de fundo
ruído de fundo
ruído de fundo
ruído de fundo
ruído de fundo
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ruído de fundo
sexta-feira, agosto 22, 2003
dualidades mínimas #21
verte a acidez da noite
no último pormenor do meu corpo
toca-me, permaneço descalça
verte a acidez da noite
no último pormenor do meu corpo
toca-me, permaneço descalça
não-tempo*
Sabes que para este não-tempo que passou imaginei muitas histórias impossíveis, que estas são as mais fáceis de imaginar, até porque às vezes a lua assoma em gomos de fogo lento em certas noites de Verão.
Sabes que para este não-tempo que passou imaginei muitas histórias impossíveis, que estas são as mais fáceis de imaginar, até porque às vezes a lua assoma em gomos de fogo lento em certas noites de Verão.
dualidades mínimas #20
traço limpo o da caneta preta
funda no papel
é a carne que se escreve ou rasga
traço limpo o da caneta preta
funda no papel
é a carne que se escreve ou rasga
tempo*
Passara muito tempo desde a última vez que lhe escrevera, um dia apenas desde a última vez que ele lhe falara. De facto, o tempo é uma constante em que não se pode acreditar, por muitas noites que sucedam a tantas outras noites. Não te rias, sabes muito bem que a lua tem tanto de culpada em tudo isto como será sempre verdade que as sombras fogem de nós.
Passara muito tempo desde a última vez que lhe escrevera, um dia apenas desde a última vez que ele lhe falara. De facto, o tempo é uma constante em que não se pode acreditar, por muitas noites que sucedam a tantas outras noites. Não te rias, sabes muito bem que a lua tem tanto de culpada em tudo isto como será sempre verdade que as sombras fogem de nós.
quinta-feira, agosto 21, 2003
dualidades mínimas #19
nos escombros do amor feito
um casulo de fórmulas gastas
impede-me de voar dali
nos escombros do amor feito
um casulo de fórmulas gastas
impede-me de voar dali
começar a escrever*
A caminho da tarde* parecera-lhe a forma exacta e mais doce de lhe começar a escrever. Queria que as palavras levassem consigo uma profunda mansidão, o estremecer das searas sob a meditação do sol do meio-dia, os movimentos imperceptíveis que os caules do silêncio fazem pelo vento dentro, porque assim despertam as almas adormecidas entre a paisagem e em cada folha que se aproxima de Setembro eis que se revela um vago segredo de amor.
* Verso de Federico Garcia Lorca
A caminho da tarde* parecera-lhe a forma exacta e mais doce de lhe começar a escrever. Queria que as palavras levassem consigo uma profunda mansidão, o estremecer das searas sob a meditação do sol do meio-dia, os movimentos imperceptíveis que os caules do silêncio fazem pelo vento dentro, porque assim despertam as almas adormecidas entre a paisagem e em cada folha que se aproxima de Setembro eis que se revela um vago segredo de amor.
* Verso de Federico Garcia Lorca
húmus #3*
«Silêncio. Ponho o ouvido à escuta e ouço sempre o trabalho persistente do caruncho que rói há séculos na madeira e nas almas.» (Raul Brandão, Húmus, p. 10)
rente às paredes da casa
na inércia das sombras
no depósito dos livros
no acontecer da mesa a um canto da sala
no arrumar do chã a desviar-se da língua
por baixo das pálpebras
no lugar da alma
uma película de silenciosa indiferença
constrói os destroços da morte
«Silêncio. Ponho o ouvido à escuta e ouço sempre o trabalho persistente do caruncho que rói há séculos na madeira e nas almas.» (Raul Brandão, Húmus, p. 10)
rente às paredes da casa
na inércia das sombras
no depósito dos livros
no acontecer da mesa a um canto da sala
no arrumar do chã a desviar-se da língua
por baixo das pálpebras
no lugar da alma
uma película de silenciosa indiferença
constrói os destroços da morte
quarta-feira, agosto 20, 2003
dualidades mínimas #18
escuta rente ao chão
o tropel dos cavalos em chama
(é o meu peito e fujo)
escuta rente ao chão
o tropel dos cavalos em chama
(é o meu peito e fujo)
uma prenda*
transporto material muito fino
vidro assoprado
por ares assassinos
vitrais doloridos
no ventre macerado
de Santa Bárbara
como um trovão
o amor alongado
por malhas largas
onde erramos a pescaria
e encontramos os corpos
dos nossos próprios pés
atados por limos
Ana Paula Inácio, As Vinhas de Meu Pai, Quasi, 2000
Disse que te queria
e toquei na justa saia,
no lenço com que cingias
a coroa dos cabelos.
As rãs cantavam e a noite
de si entristecia.
António Osório, O Lugar do Amor, Moraes Editores, 1985
Obrigada.
transporto material muito fino
vidro assoprado
por ares assassinos
vitrais doloridos
no ventre macerado
de Santa Bárbara
como um trovão
o amor alongado
por malhas largas
onde erramos a pescaria
e encontramos os corpos
dos nossos próprios pés
atados por limos
Ana Paula Inácio, As Vinhas de Meu Pai, Quasi, 2000
Disse que te queria
e toquei na justa saia,
no lenço com que cingias
a coroa dos cabelos.
As rãs cantavam e a noite
de si entristecia.
António Osório, O Lugar do Amor, Moraes Editores, 1985
Obrigada.
^º^*
no mar mais chão
quieto
sugerem-se os sulcos
de passos lentos
ou pequenos
são as pernas curtas
é esta dor aguda furando
o ventre - não se comporta outra
dinâmica que não esta
de contenção da distância
podem fazer-se assim mais estreitos os dias
no cálculo do diâmetro
compreendido em cada passo
no que se impõe de circularidade
no que se admite de incerta matemática
uma coisa porém é certa
é maior e mais luminoso
o que abarcam as pernas
rodeando-te
que toda a terra percorrida
se o andar é acanhado de fantasmas temerosos
e desprotegido como o corpo nu
aninhado sobre o cimento da tarde
no mar mais chão
quieto
sugerem-se os sulcos
de passos lentos
ou pequenos
são as pernas curtas
é esta dor aguda furando
o ventre - não se comporta outra
dinâmica que não esta
de contenção da distância
podem fazer-se assim mais estreitos os dias
no cálculo do diâmetro
compreendido em cada passo
no que se impõe de circularidade
no que se admite de incerta matemática
uma coisa porém é certa
é maior e mais luminoso
o que abarcam as pernas
rodeando-te
que toda a terra percorrida
se o andar é acanhado de fantasmas temerosos
e desprotegido como o corpo nu
aninhado sobre o cimento da tarde
terça-feira, agosto 19, 2003
(in)consistências*
I
Sob um círculo de fogo
suspenso pólen sobre a tarde
flutuam as imagens todas
fugidias como as paisagens ofegantes
que passam pelas gáveas.
Reinventas uma flor sobre a ondulação
do meu desejo
e os nomes rarefazem-se.
Hoje o dia consentiu que um azul circunstancial
morresse ao primeiro canto do mar.
II
Volúvel é o silêncio das frases que não adquirem
matéria poética por serem quotidianas:
há uma pedra à entrada de cada poema
como um aviso
"volte mais tarde, o desejo
também se faz de beijos que ficam por dar".
III
Repara como o poema tem a consistência
de uma pedra polida rente à púbis do tempo:
há peixes a coincidir com o crepúsculo
uma penumbra que levanta as saias da noite
e uma poalha de estrelas que desfaço na boca
porque a tua língua evidencia a minha nudez.
............................................................
A propósito de um poema que encontrei a Oeste, apeteceu-me resgatar este do armário, sacudir-lhe o pó, apreciar-lhe as feições e dar-lhe um pouco do crepúsculo que acontece à minha esquerda. Afinal nenhum outro destino lhe está reservado senão voltar ao armário e prolongar o sono das coisas acontecidas. A quem já o leu noutras andanças, as minhas desculpas pela repetição. O tempo é de blogagem mínima e poesia quase nula.
I
Sob um círculo de fogo
suspenso pólen sobre a tarde
flutuam as imagens todas
fugidias como as paisagens ofegantes
que passam pelas gáveas.
Reinventas uma flor sobre a ondulação
do meu desejo
e os nomes rarefazem-se.
Hoje o dia consentiu que um azul circunstancial
morresse ao primeiro canto do mar.
II
Volúvel é o silêncio das frases que não adquirem
matéria poética por serem quotidianas:
há uma pedra à entrada de cada poema
como um aviso
"volte mais tarde, o desejo
também se faz de beijos que ficam por dar".
III
Repara como o poema tem a consistência
de uma pedra polida rente à púbis do tempo:
há peixes a coincidir com o crepúsculo
uma penumbra que levanta as saias da noite
e uma poalha de estrelas que desfaço na boca
porque a tua língua evidencia a minha nudez.
............................................................
A propósito de um poema que encontrei a Oeste, apeteceu-me resgatar este do armário, sacudir-lhe o pó, apreciar-lhe as feições e dar-lhe um pouco do crepúsculo que acontece à minha esquerda. Afinal nenhum outro destino lhe está reservado senão voltar ao armário e prolongar o sono das coisas acontecidas. A quem já o leu noutras andanças, as minhas desculpas pela repetição. O tempo é de blogagem mínima e poesia quase nula.
segunda-feira, agosto 18, 2003
húmus #2*
«Vi não sei onde, num jardim abandonado - Inverno e folhas secas - entre buxos do tamanho de árvores, estátuas de granito a que o tempo corroera as feições.» (Raul Brandão, Húmus, p. 9)
Por vezes, o mundo rodeia-se
de jardins abandonados.
«Vi não sei onde, num jardim abandonado - Inverno e folhas secas - entre buxos do tamanho de árvores, estátuas de granito a que o tempo corroera as feições.» (Raul Brandão, Húmus, p. 9)
Por vezes, o mundo rodeia-se
de jardins abandonados.
domingo, agosto 17, 2003
imagias #4
Foto de Bruno Espadana.
Talvez um deus exista para parar o esquecimento
e o passadiço de madeira que todos os dias me poderia
levar até mar não desapareça sob o peso das pálpebras
que é como quem diz sob as construções na areia
que nunca fiz de tal forma me habituei a aprumar
o desassossego Talvez um deus exista na solidão
de cada seixo que ficou por fotografar a preto e branco
como antigamente quando ainda era possível
atravessar o tempo que há-de vir com os cordões
desapertados sem termos que regressar à infância
para fazer destes malabarismos com as coisas que
deixamos por fazer Talvez um deus exista para além
da incidência desta pouca luz sobre a passagem onde
nem um passo se desvanece onde só o esquecimento
repetidamente deflagra e em cada golpe de silêncio
eu ainda acredite que há palavras poisadas sobre
os lábios e que as podemos adivinhar
Foto de Bruno Espadana.
Talvez um deus exista para parar o esquecimento
e o passadiço de madeira que todos os dias me poderia
levar até mar não desapareça sob o peso das pálpebras
que é como quem diz sob as construções na areia
que nunca fiz de tal forma me habituei a aprumar
o desassossego Talvez um deus exista na solidão
de cada seixo que ficou por fotografar a preto e branco
como antigamente quando ainda era possível
atravessar o tempo que há-de vir com os cordões
desapertados sem termos que regressar à infância
para fazer destes malabarismos com as coisas que
deixamos por fazer Talvez um deus exista para além
da incidência desta pouca luz sobre a passagem onde
nem um passo se desvanece onde só o esquecimento
repetidamente deflagra e em cada golpe de silêncio
eu ainda acredite que há palavras poisadas sobre
os lábios e que as podemos adivinhar
húmus #1*
«Nos corredores as aranhas tecem imutáveis teias de silêncio e tédio e uma cinza invisível, manias, regras, hábitos, vai lentamente soterrando tudo.» (Raul Brandão, Húmus, p. 9)
Das matérias invisíveis
o silêncio
é das que mais corrompem
a textura dos dias
e amedrontam
a imobilidade das pedras.
«Nos corredores as aranhas tecem imutáveis teias de silêncio e tédio e uma cinza invisível, manias, regras, hábitos, vai lentamente soterrando tudo.» (Raul Brandão, Húmus, p. 9)
Das matérias invisíveis
o silêncio
é das que mais corrompem
a textura dos dias
e amedrontam
a imobilidade das pedras.