sábado, agosto 28, 2004
imagias #25
Max Ernst, Flying Geese
recolhe os braços ao encontro do corpo
os braços contra a solidão estreitados da distância
que antes levavam de ti
mortos de alcance e de gestos
só desastre
copos e jarras quebradas a cada
expressão mal medida
dantes trazias as palavras nas mãos
onde rápido as buscavas
mas isso era quando no teu rosto se lia
ainda alguma verdade e dos braços os
movimentos aconteciam leves como se dos
pulsos nascessem pássaros
isso era quando não havendo música
o discurso era uma canção atrás da melodia
ou na manhã a rota de aves migratórias em seu
voo certeiro de tempos e de pausas
isso
era quando não imaginavas possível
o mal em ti e caminhavas colhendo flores
porque acreditavas ser bom colher-se flores
assim como aceitar-se que são belas
cláudia caetano
Max Ernst, Flying Geese
recolhe os braços ao encontro do corpo
os braços contra a solidão estreitados da distância
que antes levavam de ti
mortos de alcance e de gestos
só desastre
copos e jarras quebradas a cada
expressão mal medida
dantes trazias as palavras nas mãos
onde rápido as buscavas
mas isso era quando no teu rosto se lia
ainda alguma verdade e dos braços os
movimentos aconteciam leves como se dos
pulsos nascessem pássaros
isso era quando não havendo música
o discurso era uma canção atrás da melodia
ou na manhã a rota de aves migratórias em seu
voo certeiro de tempos e de pausas
isso
era quando não imaginavas possível
o mal em ti e caminhavas colhendo flores
porque acreditavas ser bom colher-se flores
assim como aceitar-se que são belas
cláudia caetano
quinta-feira, agosto 26, 2004
dualidades mínimas #55
há quartos fechados onde a casa sequer
se suspeita e neles gente rogando pragas
ao vento porque uiva e ao futuro porque foge
cláudia caetano
há quartos fechados onde a casa sequer
se suspeita e neles gente rogando pragas
ao vento porque uiva e ao futuro porque foge
cláudia caetano
dualidades mínimas #54
calar é mais soprar equívocos
que ao silêncio se rouba
palavras ainda
cláudia caetano
calar é mais soprar equívocos
que ao silêncio se rouba
palavras ainda
cláudia caetano
quarta-feira, agosto 25, 2004
Próximo de Setembro #3*
Sobretudo o silêncio
a quebrar a luz.
E um chão de folhas secas
- como gumes -
a impedir os regressos.
Sandra Costa
Sobretudo o silêncio
a quebrar a luz.
E um chão de folhas secas
- como gumes -
a impedir os regressos.
Sandra Costa
do tempo das cerejas (fim)*
Júlio Resende, 1984
Marta Korntal
32,0x24,0
Aguarela
[Não me importava mesmo nada de ter esta aguarela.]
Júlio Resende, 1984
Marta Korntal
32,0x24,0
Aguarela
[Não me importava mesmo nada de ter esta aguarela.]
do tempo das cerejas (cont.)*
encontrei (procurava eu na net um desenho de Júlio Resende que acompanha um dos meus dois poemas inseridos na antologia abaixo indicada) uma fundação, relativamente aqui perto e que, provavelmente, só eu é que não conhecia. Parece-me que vale a pena passar por lá:
encontrei (procurava eu na net um desenho de Júlio Resende que acompanha um dos meus dois poemas inseridos na antologia abaixo indicada) uma fundação, relativamente aqui perto e que, provavelmente, só eu é que não conhecia. Parece-me que vale a pena passar por lá:
do tempo das cerejas*
Chegou, hoje, pelo correio, um livro do tempo das cerejas. Dele, escolho, propositadamente, este poema:
As estações de Bashô
Tudo o que caminha
muda de nome.
Bashô é agora Bashô.
As árvores tomam o nome
das suas folhas. Em cada ramo
o canto dos animais
vai tecendo o verde.
Os nomes adoçam
quando pende o fruto.
As cerejas dão sombra na boca
que saboreia a sede.
Espalhado no chão
o nome das árvores
ao sabor do vento
na língua do crepúsculo.
A espuma do ar
sobre o ramo nu
onde o nome
não encontra pouso.
Bashô entra em Bashô.
Logo dará o seu nome
a outro caminhante.
Rosa Alice Branco
E como os posts, por vezes, também são como as cerejas, mesmo quando nos aproximamos de Setembro:
Debaixo de uma cerejeira
tudo é servido
decorado com flores.
Bashô
Chegou, hoje, pelo correio, um livro do tempo das cerejas. Dele, escolho, propositadamente, este poema:
As estações de Bashô
Tudo o que caminha
muda de nome.
Bashô é agora Bashô.
As árvores tomam o nome
das suas folhas. Em cada ramo
o canto dos animais
vai tecendo o verde.
Os nomes adoçam
quando pende o fruto.
As cerejas dão sombra na boca
que saboreia a sede.
Espalhado no chão
o nome das árvores
ao sabor do vento
na língua do crepúsculo.
A espuma do ar
sobre o ramo nu
onde o nome
não encontra pouso.
Bashô entra em Bashô.
Logo dará o seu nome
a outro caminhante.
Rosa Alice Branco
E como os posts, por vezes, também são como as cerejas, mesmo quando nos aproximamos de Setembro:
terça-feira, agosto 24, 2004
Próximo de Setembro #2*
Debaixo das pedras que entardecem
- amanhã será ainda mais cedo -
guardo as vozes das minhas
pequenas mortes quotidianas.
Depois das primeiras chuvas,
quando florescerem os crisântemos,
perguntem-me pelo medo.
Sandra Costa
Debaixo das pedras que entardecem
- amanhã será ainda mais cedo -
guardo as vozes das minhas
pequenas mortes quotidianas.
Depois das primeiras chuvas,
quando florescerem os crisântemos,
perguntem-me pelo medo.
Sandra Costa
segunda-feira, agosto 23, 2004
Poema*
Passeio entre os pinheiros de S. Julião, entre fetos e castanheiros. Esmago os ouriços e fotografo-os. Disponho pedaços de forragem, cubro-os de urina e fotografo-os: são como uma beira de água num lago dos Andes. Os socalcos da montanha, para o lado sudeste da serra de S. Mamede formam espirais ao entardecer. O meu cão levanta um melro que, por um momento, é uma pequena mancha contra a parede derrocada de uma velha casa desabitada. Tiro seis fotografias que, depois, rasgo e recomponho com diferente estrutura. Fotografo a minha perna direita - primeiro com a calça arregaçada e, após, com a calça coberta por folhas de feto. Deixo que a noite a pouco e pouco apareça. Fotografo, então, junto a uma encruzilhada, um montão de detritos que alguém ali vasou: pedaços de tijolos, papelão com cimento agarrado, pedaços de arame. Perto há um bosque de carvalhos. Interno-me nele e fotografo as estrelas por entre os ramos. Invade-me uma alegria sem nome.
As flores em casa. Todas as manhãs, antes de ir para o emprego, depois de as regar, fotografo-as dispondo ao redor velhos casacos de malha, invólucros vazios de leite, guarda-chuvas... Depois faço desenhos a partir das fotografias: é um universo desconhecido, por vezes estarrecedor. As formas mudaram de cor, onde está negro esteve amarelo, ou verde claro, a estrutura de uma manga parece um réptil ou algo inominável. Deito feijões para uma garrafa de água, de plástico e agito tudo. Rodam em caprichosas volutas, subindo, descendo. Descendo, subindo... Faremos deles elementos de uma sopa, matérias das nossas próprias entranhas. Não, o homem não deve dissolver-se na Natureza. Revelador, deve permanecer livre, mas sem constranger o seu segredo. Por isso é que eu amo, sobretudo, aquilo a que se dá o nome de floresta temperada. São os lugares da tília, do salgueiro, do agrião e da aveia. As plantas, afinal devem crescer sem que as estorvemos, mesmo com intuitos artísticos. No quintal de Arronches, junto ao muro do fundo, queimo todas as fotografias, todos os desenhos que fiz a partir delas. Recordações de diferentes coisas, momentos e lugares atravessam-me o pensamento. O meu cão contempla-me. Sinto-me nostálgico, talvez porque a tarde chega ao fim.
Nicolau Saião, Flauta de Pan, Ed. Colibri, 1998.
Passeio entre os pinheiros de S. Julião, entre fetos e castanheiros. Esmago os ouriços e fotografo-os. Disponho pedaços de forragem, cubro-os de urina e fotografo-os: são como uma beira de água num lago dos Andes. Os socalcos da montanha, para o lado sudeste da serra de S. Mamede formam espirais ao entardecer. O meu cão levanta um melro que, por um momento, é uma pequena mancha contra a parede derrocada de uma velha casa desabitada. Tiro seis fotografias que, depois, rasgo e recomponho com diferente estrutura. Fotografo a minha perna direita - primeiro com a calça arregaçada e, após, com a calça coberta por folhas de feto. Deixo que a noite a pouco e pouco apareça. Fotografo, então, junto a uma encruzilhada, um montão de detritos que alguém ali vasou: pedaços de tijolos, papelão com cimento agarrado, pedaços de arame. Perto há um bosque de carvalhos. Interno-me nele e fotografo as estrelas por entre os ramos. Invade-me uma alegria sem nome.
As flores em casa. Todas as manhãs, antes de ir para o emprego, depois de as regar, fotografo-as dispondo ao redor velhos casacos de malha, invólucros vazios de leite, guarda-chuvas... Depois faço desenhos a partir das fotografias: é um universo desconhecido, por vezes estarrecedor. As formas mudaram de cor, onde está negro esteve amarelo, ou verde claro, a estrutura de uma manga parece um réptil ou algo inominável. Deito feijões para uma garrafa de água, de plástico e agito tudo. Rodam em caprichosas volutas, subindo, descendo. Descendo, subindo... Faremos deles elementos de uma sopa, matérias das nossas próprias entranhas. Não, o homem não deve dissolver-se na Natureza. Revelador, deve permanecer livre, mas sem constranger o seu segredo. Por isso é que eu amo, sobretudo, aquilo a que se dá o nome de floresta temperada. São os lugares da tília, do salgueiro, do agrião e da aveia. As plantas, afinal devem crescer sem que as estorvemos, mesmo com intuitos artísticos. No quintal de Arronches, junto ao muro do fundo, queimo todas as fotografias, todos os desenhos que fiz a partir delas. Recordações de diferentes coisas, momentos e lugares atravessam-me o pensamento. O meu cão contempla-me. Sinto-me nostálgico, talvez porque a tarde chega ao fim.
Nicolau Saião, Flauta de Pan, Ed. Colibri, 1998.
Próximo de Setembro #1*
não dou por mim à superfície dos rios
se me debruço ainda que as águas
estejam assim paradas como os espelhos
– aproximando-me de setembro
reacende-se sempre nos meus olhos
este dom da invisibilidade -
Sandra Costa
não dou por mim à superfície dos rios
se me debruço ainda que as águas
estejam assim paradas como os espelhos
– aproximando-me de setembro
reacende-se sempre nos meus olhos
este dom da invisibilidade -
Sandra Costa
Próximo de Setembro #0*
Próximo do rosto, partilhamos
o sopro e as sílabas de setembro,
quando as cores monótonas
atingem o delírio da mudança
como uma febre alucinante.
Nos nossos lábios,
o naufrágio da voz,
onde cabe inteiro
o soluçar de um corpo
grávido de ausência.
Nenhum regaço se quebra
no abraço ilícito das sementes,
se o tempo das vindimas se aproxima
e, em todos os recantos,
interiorizamos a revolta
como um húmus imprevisto.
Graça Pires, Poemas, Vega, s/d.
Próximo do rosto, partilhamos
o sopro e as sílabas de setembro,
quando as cores monótonas
atingem o delírio da mudança
como uma febre alucinante.
Nos nossos lábios,
o naufrágio da voz,
onde cabe inteiro
o soluçar de um corpo
grávido de ausência.
Nenhum regaço se quebra
no abraço ilícito das sementes,
se o tempo das vindimas se aproxima
e, em todos os recantos,
interiorizamos a revolta
como um húmus imprevisto.
Graça Pires, Poemas, Vega, s/d.
Depois de ter dito que não há regressos, [versão 1.1.]*
aí está também Kleist a desmentir-me. Com ou sem credo.
aí está também Kleist a desmentir-me. Com ou sem credo.
domingo, agosto 22, 2004
do mal #3*
[esquecimento] os lugares onde só eu chego
fazem-se da matéria mais longínqua:
não são impossíveis mas se me distancio
de mim mesma já não existem
Sandra costa
O mal é o ritmo dos outros.
Henri Michaux,
O Retiro pelo Risco, Fenda, 1999.
[esquecimento] os lugares onde só eu chego
fazem-se da matéria mais longínqua:
não são impossíveis mas se me distancio
de mim mesma já não existem
Sandra costa
à beira do silêncio #2*
maresias (II)*
observem, alheados, a realidade táctil
a fruta que se sorve a contragosto, no cais velho; o desgosto
percebem agora a alegria:
da gaivota serena, da compaixão epidérmica, do abraço lavado
as piruetas da paixão
toda a dança uterina
somente o passo incerto, pois leve, da esperança.
Nuno Trinta de Sá [escrito e enviado por]
* publicado no caderno colectivo da Europress "quatro poetas numa garrafa à deriva no atlântico", com Fernando Grade, m. parissy e Nuno Rebocho (2004)
Mais poemas de Nuno Trinta de Sá aqui.
maresias (II)*
observem, alheados, a realidade táctil
a fruta que se sorve a contragosto, no cais velho; o desgosto
percebem agora a alegria:
da gaivota serena, da compaixão epidérmica, do abraço lavado
as piruetas da paixão
toda a dança uterina
somente o passo incerto, pois leve, da esperança.
Nuno Trinta de Sá [escrito e enviado por]
* publicado no caderno colectivo da Europress "quatro poetas numa garrafa à deriva no atlântico", com Fernando Grade, m. parissy e Nuno Rebocho (2004)
Mais poemas de Nuno Trinta de Sá aqui.
à beira do silêncio #1*
maresias (I)
a turma dos doidos chega ao lugarejo
grávidos, iniciados, veteranos, bêbedos, sabáticos, mundanos
xistos, poetas, camas
promessas a lançar os pássaros
na pressa exacta
que há no mar
de cada um.
Nuno Trinta de Sá [escrito e enviado por]
maresias (I)
a turma dos doidos chega ao lugarejo
grávidos, iniciados, veteranos, bêbedos, sabáticos, mundanos
xistos, poetas, camas
promessas a lançar os pássaros
na pressa exacta
que há no mar
de cada um.
Nuno Trinta de Sá [escrito e enviado por]