quinta-feira, fevereiro 12, 2004
//((//*
fundo como o abraço por trás à altura do estômago e os braços presos de mãos caídas pelas ancas
escuro como a cãibra na barriga da perna e a impressão do músculo na iminência de rasgar
apertado como os pés no lodo cheios de tornozelos presos ao frio e ao medo do movimento que enterra
tardia e arrítmica a intenção de dizer
cláudia caetano
fundo como o abraço por trás à altura do estômago e os braços presos de mãos caídas pelas ancas
escuro como a cãibra na barriga da perna e a impressão do músculo na iminência de rasgar
apertado como os pés no lodo cheios de tornozelos presos ao frio e ao medo do movimento que enterra
tardia e arrítmica a intenção de dizer
cláudia caetano
quarta-feira, fevereiro 11, 2004
...*
1
Não acordar
sem o som dos pássaros.
2
Não escrever
se as magnólias caem.
3
Não esperar,
como a névoa, pelo silêncio.
4
Não morrer
dentro de mim.
Sandra Costa
1
Não acordar
sem o som dos pássaros.
2
Não escrever
se as magnólias caem.
3
Não esperar,
como a névoa, pelo silêncio.
4
Não morrer
dentro de mim.
Sandra Costa
terça-feira, fevereiro 10, 2004
ainda vestígios de ontem*
Entre duas águas
Nas linhas que se seguem pretende-se o estabelecimento das estações por que passa Jorge, o protagonista-narrador de Sinais de Fogo, até chegar a dizer: Ali estava eu, para todos os efeitos transformado em poeta, por obra e graça... Ora bolas. Palavras que testemunham qualquer coisa que só Jorge de Sena pode saber, desde a primeira descoberta forçada, quase reconhecida e rejeitada, da poesia, até à aceitação de que seja a poesia a decidir por ele, o personagem chamado Jorge: querer escrever, ter de escrever, ver um papel flutuando entre duas águas.
Maria Filomena Molder, A Imperfeição da Filosofia,
Relógio d'Água, 2003.
_______________
Aqui há tempos apanhei a autora a meio de uma entrevista na Antena 2. Creio que com a Alexandra Lucas Coelho, mas não estou certa. Ainda fui a tempo de a ouvir falar deste capítulo sobre a poesia, sobre Jorge de Sena, sobre as possíveis ligações/ comparações entre a filosofia e a poesia e as imperfeições de uma e de outra. Não me entrou tudo mas fiquei desperta para. Depois encontrei esta carta n' O homem é uma paixão inútil e ainda fiquei com mais vontade de. Ontem o livro veio cá para casa. Não sei quando o irei ler, na íntegra ou mesmo só parcialmente, mas achei esta introdução sugestiva. Não costumo nem sei falar de poesia mas um dia destes terei de o fazer e, na melhor das hipóteses, quero ficar calada com algum do silêncio dos outros.
Entre duas águas
Nas linhas que se seguem pretende-se o estabelecimento das estações por que passa Jorge, o protagonista-narrador de Sinais de Fogo, até chegar a dizer: Ali estava eu, para todos os efeitos transformado em poeta, por obra e graça... Ora bolas. Palavras que testemunham qualquer coisa que só Jorge de Sena pode saber, desde a primeira descoberta forçada, quase reconhecida e rejeitada, da poesia, até à aceitação de que seja a poesia a decidir por ele, o personagem chamado Jorge: querer escrever, ter de escrever, ver um papel flutuando entre duas águas.
Maria Filomena Molder, A Imperfeição da Filosofia,
Relógio d'Água, 2003.
_______________
Aqui há tempos apanhei a autora a meio de uma entrevista na Antena 2. Creio que com a Alexandra Lucas Coelho, mas não estou certa. Ainda fui a tempo de a ouvir falar deste capítulo sobre a poesia, sobre Jorge de Sena, sobre as possíveis ligações/ comparações entre a filosofia e a poesia e as imperfeições de uma e de outra. Não me entrou tudo mas fiquei desperta para. Depois encontrei esta carta n' O homem é uma paixão inútil e ainda fiquei com mais vontade de. Ontem o livro veio cá para casa. Não sei quando o irei ler, na íntegra ou mesmo só parcialmente, mas achei esta introdução sugestiva. Não costumo nem sei falar de poesia mas um dia destes terei de o fazer e, na melhor das hipóteses, quero ficar calada com algum do silêncio dos outros.
vestígios de ontem*
Conversa com a pedra
[...]
– Se não acreditas em mim – diz a pedra –
vai ter com a folha, dir-te-á o mesmo.
Com a gota de água e o mesmo te dirá.
Pergunta por fim a um cabelo da tua própria cabeça.
Estou prestes a rir às gargalhadas
de rir como a minha natureza me impede de rir.
Bato à porta da pedra.
– Abre. Sou eu.
– Não tenho porta – diz a pedra.
Wislawa Szymborska, Paisagem com Grão de Areia,
Relógio d'Água, 1998.
Conversa com a pedra
[...]
– Se não acreditas em mim – diz a pedra –
vai ter com a folha, dir-te-á o mesmo.
Com a gota de água e o mesmo te dirá.
Pergunta por fim a um cabelo da tua própria cabeça.
Estou prestes a rir às gargalhadas
de rir como a minha natureza me impede de rir.
Bato à porta da pedra.
– Abre. Sou eu.
– Não tenho porta – diz a pedra.
Wislawa Szymborska, Paisagem com Grão de Areia,
Relógio d'Água, 1998.
ao poeta que não conheci*
1
"cordeiro lírio neve tojo fonte" *
2
Dizer as palavras como se diz
o silêncio.
3
Porque um dia morre-se depois
do último poema.
4
Sandra Costa
________________________
* Verso de Fernando Assis Pacheco,
Respiração Assistida. Obrigada.
1
"cordeiro lírio neve tojo fonte" *
2
Dizer as palavras como se diz
o silêncio.
3
Porque um dia morre-se depois
do último poema.
4
Sandra Costa
________________________
* Verso de Fernando Assis Pacheco,
Respiração Assistida. Obrigada.
segunda-feira, fevereiro 09, 2004
encontrei mais um*
História de amor
Era primavera em todas as montanhas
tecidas de lilás
e o luar escorria pelas casas,
decifrando alegorias e monólogos.
Ao findar da tarde, havia já
no olhar de toda a gente
um itinerário definitivo
de sensações breves e paradoxais.
Das mãos das mulheres
saíam cavalos de barro
com fios invisíveis,
que suspendiam todas as perversões
e os limos perfumavam a bruma
como um símbolo imortal.
Foi então que, no meio da noite,
um adolescente iniciou,
perturbado e lento,
todos os cambiantes do seu corpo nu,
até à ruptura líquida do desejo.
E todas as mulheres
o adoptaram como filho.
Graça Pires, Poemas,
Vega, 1990.
História de amor
Era primavera em todas as montanhas
tecidas de lilás
e o luar escorria pelas casas,
decifrando alegorias e monólogos.
Ao findar da tarde, havia já
no olhar de toda a gente
um itinerário definitivo
de sensações breves e paradoxais.
Das mãos das mulheres
saíam cavalos de barro
com fios invisíveis,
que suspendiam todas as perversões
e os limos perfumavam a bruma
como um símbolo imortal.
Foi então que, no meio da noite,
um adolescente iniciou,
perturbado e lento,
todos os cambiantes do seu corpo nu,
até à ruptura líquida do desejo.
E todas as mulheres
o adoptaram como filho.
Graça Pires, Poemas,
Vega, 1990.
como acabava a tarde [a de hoje, depois da manhã no Mercado]*
A tarde acabava junto ao rio,
com os tons próprios
que lembram o estremecimento
a lentidão o deambularmos para além
do que nos fica nos lábios.
O rio acabava junto ao mar
e este, ligeiramente acima,
não merecia os cinco petroleiros
na linha do horizonte.
O mar acabava junto à tarde
com um poema a aproximar-se.
Sandra Costa
A tarde acabava junto ao rio,
com os tons próprios
que lembram o estremecimento
a lentidão o deambularmos para além
do que nos fica nos lábios.
O rio acabava junto ao mar
e este, ligeiramente acima,
não merecia os cinco petroleiros
na linha do horizonte.
O mar acabava junto à tarde
com um poema a aproximar-se.
Sandra Costa
domingo, fevereiro 08, 2004
o tempo ignora*
Um projecto sobre a passagem do tempo. Os efeitos desse trajecto sobre os homens, as mulheres e os bichos. Uma história sobre o movimento inconsciente das horas. Os pêndulos que avançam sobre as nossas vidas sem que ninguém saiba porquê.
de José Manuel e Nuno Lima
Um projecto sobre a passagem do tempo. Os efeitos desse trajecto sobre os homens, as mulheres e os bichos. Uma história sobre o movimento inconsciente das horas. Os pêndulos que avançam sobre as nossas vidas sem que ninguém saiba porquê.
de José Manuel e Nuno Lima
das profundezas*
1
Hoje,
se escrevo,
os poemas saem-me
mortos.
2
Não há funerárias
que enterrem poemas
(já procurei).
3
Dizem-me,
do outro lado do balcão,
que só os homens
morrem.
4
Ao sair, ela já não olhou
para trás – às vezes,
acontece, também,
morrer
uma mulher.
Sandra Costa
1
Hoje,
se escrevo,
os poemas saem-me
mortos.
2
Não há funerárias
que enterrem poemas
(já procurei).
3
Dizem-me,
do outro lado do balcão,
que só os homens
morrem.
4
Ao sair, ela já não olhou
para trás – às vezes,
acontece, também,
morrer
uma mulher.
Sandra Costa
India Song*
Ela dança
No silêncio das ruínas
Na noite interminável
Como se o amor fosse perder-se
E tu?
Porque permaneces calada?
Porque te apagas na bruma?
Porque te espantas com ela?
Porque me impedes que durma?
Há um nome adiado
Há um corpo que espera, o meu corpo
Há o amor
Este meu amor morto
Ela dança
No desencontro dos braços
No sentido da ausência
Como se o amor fosse perder-se
E há o corpo incendiado
Há a noite que me leva, a nossa noite
Há o desejo
Este meu desejo morto
Ela dança
No silêncio das ruínas
Na noite interminável
Como se o amor fosse perder-se
Como se o amor fosse perder-se
Sandra Costa
Adaptação muito livre.
Ela dança
No silêncio das ruínas
Na noite interminável
Como se o amor fosse perder-se
E tu?
Porque permaneces calada?
Porque te apagas na bruma?
Porque te espantas com ela?
Porque me impedes que durma?
Há um nome adiado
Há um corpo que espera, o meu corpo
Há o amor
Este meu amor morto
Ela dança
No desencontro dos braços
No sentido da ausência
Como se o amor fosse perder-se
E há o corpo incendiado
Há a noite que me leva, a nossa noite
Há o desejo
Este meu desejo morto
Ela dança
No silêncio das ruínas
Na noite interminável
Como se o amor fosse perder-se
Como se o amor fosse perder-se
Sandra Costa
Adaptação muito livre.