sexta-feira, fevereiro 27, 2004
Miradouro #1*
A Crónica de NS
O BEI DE TÚNIS MORREU
Eça de Queiroz, conforme nos relata o próprio num texto entre a realidade e a simulação, certo dia em que se encontrava sem tema para artilhar a sua crónica e ante o matraquear das passadas impacientes do moço da tipografia que aguardava na antecâmara, tomou da pena e arrasou o bei de Túnis.
Eu também, hoje por hoje, estou imerso num drama paralelo. Mas de sinal contrário: tenho muitos temas, muitíssimos temas. Sou uma espécie de ilha humana rodeada de temas por todos os lados...
Mas, co’os diabos, que tema escolher?
[continue a ler O Bei de Túnis Morreu]
enviado por Nicolau Saião
A Crónica de NS
O BEI DE TÚNIS MORREU
Eça de Queiroz, conforme nos relata o próprio num texto entre a realidade e a simulação, certo dia em que se encontrava sem tema para artilhar a sua crónica e ante o matraquear das passadas impacientes do moço da tipografia que aguardava na antecâmara, tomou da pena e arrasou o bei de Túnis.
Eu também, hoje por hoje, estou imerso num drama paralelo. Mas de sinal contrário: tenho muitos temas, muitíssimos temas. Sou uma espécie de ilha humana rodeada de temas por todos os lados...
Mas, co’os diabos, que tema escolher?
[continue a ler O Bei de Túnis Morreu]
enviado por Nicolau Saião
Não vou para Pasárgada #1
Porque há por estas alturas, no Porto, um espaço intitulado Fantasporto e, dentro dele, fico informado que está um realizador chamado Alex de la Iglésia mediante o seu filme 800 balas. Que é nada mais nada menos que uma homenagem ao Deserto de Tabernas como lugar onde tantos spaghetti-westerns e outras películas se fizeram.
Alex de la Iglésia é o autor, entre outras, de O dia da Besta, uma fita de culto para uns tantos milhares, muitos deles lusitanos – na qual brinca brincando nos fala em coisas que entram na reivindicação surreal do amor sublime, da liberdade e da lucidez através de um agudo olhar sobre a hipocrisia, a brutalidade e o cripto-fascismo envolventes.
Se acaso tiverem o feliz ensejo de o apanhar na tv cabo verificarão porque é que é um dos poucos filmes espanhóis modernos onde paira uma pontinha de génio.
E, ainda por cima, este homem tem filmado aqueles lugares como antes dele só Leone e Lean fizeram.
Por isso, decididamente, não vou para Pasárgada.
Nicolau Saião
Porque há por estas alturas, no Porto, um espaço intitulado Fantasporto e, dentro dele, fico informado que está um realizador chamado Alex de la Iglésia mediante o seu filme 800 balas. Que é nada mais nada menos que uma homenagem ao Deserto de Tabernas como lugar onde tantos spaghetti-westerns e outras películas se fizeram.
Alex de la Iglésia é o autor, entre outras, de O dia da Besta, uma fita de culto para uns tantos milhares, muitos deles lusitanos – na qual brinca brincando nos fala em coisas que entram na reivindicação surreal do amor sublime, da liberdade e da lucidez através de um agudo olhar sobre a hipocrisia, a brutalidade e o cripto-fascismo envolventes.
Se acaso tiverem o feliz ensejo de o apanhar na tv cabo verificarão porque é que é um dos poucos filmes espanhóis modernos onde paira uma pontinha de génio.
E, ainda por cima, este homem tem filmado aqueles lugares como antes dele só Leone e Lean fizeram.
Por isso, decididamente, não vou para Pasárgada.
Nicolau Saião
Vou para Pasárgada #1
No domingo passado uma boa alma ofereceu-me o Público e, ao relancear (vinha logo na primeira página), li com olhos atarantados que os responsáveis do Planetário do Porto tinham tapado um painel de azulejos de Paula Rego com uma placa informativa. Para dar mais vida ao local, na opinião de quem perpetrou a façanha.
Não percebi a melhoria, mas adiante.
Todavia, o jornal informava ainda com ênfase e desvelo que o exemplar vale a bonita soma de 25 mil euros. Acho que em jeito (calhordas?) de lamentar que o tapassem.
Este detalhe pôs-me a zunir. Se o periódico apenas dissesse que o painel era belo, merecedor de respeito por ser belo e por isso in-tapável, ficaria por cá. Assim, vou-me embora p’rá terra onde não há disto (e se calhar nem jornais para nos oferecerem). Não me apetece ficar num sítio onde parece ser determinante referir o custo dum objecto artístico para acrescentar consideração. E aposto que o escrevente da notícia pensou que fazia bem – o que ainda é mais singular.
Vou-me embora p’ra Pasárgada.
Nicolau Saião
No domingo passado uma boa alma ofereceu-me o Público e, ao relancear (vinha logo na primeira página), li com olhos atarantados que os responsáveis do Planetário do Porto tinham tapado um painel de azulejos de Paula Rego com uma placa informativa. Para dar mais vida ao local, na opinião de quem perpetrou a façanha.
Não percebi a melhoria, mas adiante.
Todavia, o jornal informava ainda com ênfase e desvelo que o exemplar vale a bonita soma de 25 mil euros. Acho que em jeito (calhordas?) de lamentar que o tapassem.
Este detalhe pôs-me a zunir. Se o periódico apenas dissesse que o painel era belo, merecedor de respeito por ser belo e por isso in-tapável, ficaria por cá. Assim, vou-me embora p’rá terra onde não há disto (e se calhar nem jornais para nos oferecerem). Não me apetece ficar num sítio onde parece ser determinante referir o custo dum objecto artístico para acrescentar consideração. E aposto que o escrevente da notícia pensou que fazia bem – o que ainda é mais singular.
Vou-me embora p’ra Pasárgada.
Nicolau Saião
Pasárgada*
Vou-me Embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira
_____________
Por sugestão de Nicolau Saião, este significativo poema de Manuel Bandeira será o mote para uma (dupla) nova rubrica aqui do tempo. Quem nunca quis ir embora para Pasárgada?
Vou-me Embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Manuel Bandeira
_____________
Por sugestão de Nicolau Saião, este significativo poema de Manuel Bandeira será o mote para uma (dupla) nova rubrica aqui do tempo. Quem nunca quis ir embora para Pasárgada?
quinta-feira, fevereiro 26, 2004
[)*
"ao longo dos desertos caminharei" - claire
implicado o sol nesta coisa de andar
os dias a queimar a vida ou a pele
implicada a areia nesta coisa de dar
um passo em frente como quem dá um passo em fundo
é cegueira se abro os olhos para a largueza
se vejo o espaço e é longe
se em frente o frio e a noite
cláudia caetano
"ao longo dos desertos caminharei" - claire
implicado o sol nesta coisa de andar
os dias a queimar a vida ou a pele
implicada a areia nesta coisa de dar
um passo em frente como quem dá um passo em fundo
é cegueira se abro os olhos para a largueza
se vejo o espaço e é longe
se em frente o frio e a noite
cláudia caetano
terça-feira, fevereiro 24, 2004
No Carnaval,*
dois poemas de Renato Suttana:
O vento geme lá fora
O vento geme lá fora
com um sotaque europeu.
Por dentro a sombra demora,
e há na alma um órfão que chora:
nada é próprio, nada é meu.
A noite passa, rangendo
sobre o que é casa e lugar.
E aos poucos vou me esquecendo,
vou como uma água descendo,
até o sono chegar.
Na confusão que, no escuro,
o pensamento contém
(a arder, impreciso e obscuro),
confio-me – ermo – ao futuro,
espero a paz de Ninguém.
O vento geme lá fora,
a se esgarçar nos beirais.
Pesa uma angústia sobre a hora,
e agora é como se outrora –
e eu mesmo já não sou mais.
........................
O Animal de Fim de Semana
De que o homem seja um animal
há pouca gente que duvida:
animal adestrado a custo
entre as grades de sua vida.
Quando essas grades o comprimem
para além do que lhe convém
(ao ponto da sufocação),
sai o homem, o animal vem.
O que falta, porém, provar
e não fica aqui demonstrado
(nem pelo parecer dos sábios)
para esse homem mal adestrado
(a quem torna regularmente
o animal que pensou perder
entre as jaulas nem sempre largas
das conveniências do viver)
é que, na prática do esporte,
se resolva o animal que o mina
no aventureiro hebdomadário
que esquece os trilhos da rotina.
Melhor seria acreditar
que, ao se mudar de cidadão
em destemido aventureiro
como se muda de opinião,
o homem não deu vazão ao bicho
nem retornou ao seu normal,
mas transitou da jaula à selva:
trocou apenas de animal.
enviado por Nicolau Saião
dois poemas de Renato Suttana:
O vento geme lá fora
O vento geme lá fora
com um sotaque europeu.
Por dentro a sombra demora,
e há na alma um órfão que chora:
nada é próprio, nada é meu.
A noite passa, rangendo
sobre o que é casa e lugar.
E aos poucos vou me esquecendo,
vou como uma água descendo,
até o sono chegar.
Na confusão que, no escuro,
o pensamento contém
(a arder, impreciso e obscuro),
confio-me – ermo – ao futuro,
espero a paz de Ninguém.
O vento geme lá fora,
a se esgarçar nos beirais.
Pesa uma angústia sobre a hora,
e agora é como se outrora –
e eu mesmo já não sou mais.
........................
O Animal de Fim de Semana
De que o homem seja um animal
há pouca gente que duvida:
animal adestrado a custo
entre as grades de sua vida.
Quando essas grades o comprimem
para além do que lhe convém
(ao ponto da sufocação),
sai o homem, o animal vem.
O que falta, porém, provar
e não fica aqui demonstrado
(nem pelo parecer dos sábios)
para esse homem mal adestrado
(a quem torna regularmente
o animal que pensou perder
entre as jaulas nem sempre largas
das conveniências do viver)
é que, na prática do esporte,
se resolva o animal que o mina
no aventureiro hebdomadário
que esquece os trilhos da rotina.
Melhor seria acreditar
que, ao se mudar de cidadão
em destemido aventureiro
como se muda de opinião,
o homem não deu vazão ao bicho
nem retornou ao seu normal,
mas transitou da jaula à selva:
trocou apenas de animal.
enviado por Nicolau Saião
segunda-feira, fevereiro 23, 2004
eros #7
Filipa Assis
como se a hora fosse pequena para um deserto tão
grande– um cigarro
fumado ao cansaço maior
uma espécie de solidão
e a impaciência
eram bolas de fogo como cometas– brincadeiras de circo–
chamando o ventre
a língua rompendo para fora da boca ao encontro do corpo do sal
cláudia caetano
Filipa Assis
como se a hora fosse pequena para um deserto tão
grande– um cigarro
fumado ao cansaço maior
uma espécie de solidão
e a impaciência
eram bolas de fogo como cometas– brincadeiras de circo–
chamando o ventre
a língua rompendo para fora da boca ao encontro do corpo do sal
cláudia caetano
domingo, fevereiro 22, 2004
*...*
Aproximo-me do espelho
até à distância exacta
em que a observada reflecte
a observa(dor)a.
Sandra Costa
Aproximo-me do espelho
até à distância exacta
em que a observada reflecte
a observa(dor)a.
Sandra Costa
Variações*
“D.Quichote é o Cristo deste tempo” - MT
Variações para um amigo que me endereçou um repto
D.Quichote e o burro que são Cristo por ora
Ou o Sancho cavalo andando junto dos quatro
Moinho que Rocinante foi antes de todos eles
Mais a voz de Dona Aldonsa que por seu valor se ergueu
Seja manhã ou tarde ou muito depois de isso
Que vai ou fica no século que se gerou de trás
Cristo que por Rocinante se conhece com seu imenso
Tempo de burro como peregrino semi-morto e tenaz
Em frente suas andanças com a póstuma piedade
De ser cavalo no tempo de ser não mais que miragem.
Mas agora Quichote e Sancho e Rocinante
E D.Aldonsa e o burro sobre as suas figuras todas
E os gigantes que olham seu testemunho de séculos
Seja nos campos de Espanha seja nos outros lugares
Da erma melancolia para um burro ou um cavalo
Só Quichote só Cristo só Sancho ou só Aldonsa
Que param junto a moinhos no depois de essas vozes
Que se geram de frente como no tempo de outros tantos
Gigantes sempre de antes como miragens valorosas
Peregrinos todos eles como muitos junto de isso.
E por Sancho ou por Cristo Quichote se faz tarde
Na manhã do cavalo seu testemunho dos tempos
Bem cedo por seus campos no depois do seu burro
Seja em lugares de Espanha ou nos séculos de piedade.
in “Poemas Omnívoros”
enviado por Nicolau Saião
“D.Quichote é o Cristo deste tempo” - MT
Variações para um amigo que me endereçou um repto
D.Quichote e o burro que são Cristo por ora
Ou o Sancho cavalo andando junto dos quatro
Moinho que Rocinante foi antes de todos eles
Mais a voz de Dona Aldonsa que por seu valor se ergueu
Seja manhã ou tarde ou muito depois de isso
Que vai ou fica no século que se gerou de trás
Cristo que por Rocinante se conhece com seu imenso
Tempo de burro como peregrino semi-morto e tenaz
Em frente suas andanças com a póstuma piedade
De ser cavalo no tempo de ser não mais que miragem.
Mas agora Quichote e Sancho e Rocinante
E D.Aldonsa e o burro sobre as suas figuras todas
E os gigantes que olham seu testemunho de séculos
Seja nos campos de Espanha seja nos outros lugares
Da erma melancolia para um burro ou um cavalo
Só Quichote só Cristo só Sancho ou só Aldonsa
Que param junto a moinhos no depois de essas vozes
Que se geram de frente como no tempo de outros tantos
Gigantes sempre de antes como miragens valorosas
Peregrinos todos eles como muitos junto de isso.
E por Sancho ou por Cristo Quichote se faz tarde
Na manhã do cavalo seu testemunho dos tempos
Bem cedo por seus campos no depois do seu burro
Seja em lugares de Espanha ou nos séculos de piedade.
in “Poemas Omnívoros”
enviado por Nicolau Saião