sábado, março 06, 2004
Nenhum Nome Depois*
I
Os Nomes Inúteis
Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e a genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.
II
Os nomes Interditos
Quantas pessoas caminham na
minha direcção? Quantas me
descobrem por entre a multidão
e pousam os seus olhos inteiros
nos meus olhos? Podia acreditar
que entre elas está o homem que
trocaria comigo os dedos sobre a
mesa, uma palavra que fosse gomo
de laranja e poema, o corpo aceso
sob o lençol cansado de mais um
dia. Mas quantos destes rostos de
pedra que me cercam escondem o
seu pelas ruas desta tarde? Quantos
nomes de acaso e de silêncio terei
eu de escutar para descobrir o seu
no meu ouvido? Quantas pessoas
caminham contra mim?
III
Os nomes de Família
Que guardarão de mim as casas que
deixei? O pó sobre o meu nome?
IV
Nenhum Nome Depois
De que me serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu
recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para eu parar, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti
que eu corri o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,
mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.
Maria do Rosário Pedreira, Nenhum Nome Depois,
Gótica, 2004.
I
Os Nomes Inúteis
Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio os nomes das coisas que ali estão a
crescer: o linho e a genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros: explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.
II
Os nomes Interditos
Quantas pessoas caminham na
minha direcção? Quantas me
descobrem por entre a multidão
e pousam os seus olhos inteiros
nos meus olhos? Podia acreditar
que entre elas está o homem que
trocaria comigo os dedos sobre a
mesa, uma palavra que fosse gomo
de laranja e poema, o corpo aceso
sob o lençol cansado de mais um
dia. Mas quantos destes rostos de
pedra que me cercam escondem o
seu pelas ruas desta tarde? Quantos
nomes de acaso e de silêncio terei
eu de escutar para descobrir o seu
no meu ouvido? Quantas pessoas
caminham contra mim?
III
Os nomes de Família
Que guardarão de mim as casas que
deixei? O pó sobre o meu nome?
IV
Nenhum Nome Depois
De que me serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu
recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para eu parar, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti
que eu corri o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,
mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.
Maria do Rosário Pedreira, Nenhum Nome Depois,
Gótica, 2004.
quinta-feira, março 04, 2004
dualidades mínimas #39
vem por baixo da pele— de onde os pelos
nascem— e mostra-se só quando me tocas
há mais vento nos dias assim
cláudia caetano
vem por baixo da pele— de onde os pelos
nascem— e mostra-se só quando me tocas
há mais vento nos dias assim
cláudia caetano
quarta-feira, março 03, 2004
imagias #13
Carbajal
A gente podia
combinar isto de antemão. Eu dizia:
coloca neste ponto uma pedra. E tu punhas
o sinal azul de um enorme jardim.
Depois eu dizia: aqui faz falta
o som de um apito. E tu desenhavas
três crianças desesperadas. A seguir
eu adormecia. E quando acordava
tudo estava terrivelmente silencioso
Na porta, que se tornara transparente
estava pregado um papel amarfanhado.
Nele, estranhos riscos como feitos por garras.
Então aparecia de repente um anjo maneta
- que desatava a rir e de súbito se esfumava.
E sem sabermos como, era de novo manhã.
Nicolau Saião
Carbajal
A gente podia
combinar isto de antemão. Eu dizia:
coloca neste ponto uma pedra. E tu punhas
o sinal azul de um enorme jardim.
Depois eu dizia: aqui faz falta
o som de um apito. E tu desenhavas
três crianças desesperadas. A seguir
eu adormecia. E quando acordava
tudo estava terrivelmente silencioso
Na porta, que se tornara transparente
estava pregado um papel amarfanhado.
Nele, estranhos riscos como feitos por garras.
Então aparecia de repente um anjo maneta
- que desatava a rir e de súbito se esfumava.
E sem sabermos como, era de novo manhã.
Nicolau Saião
terça-feira, março 02, 2004
Alexandra Lucas Coelho, Antena 2*
Sim, hoje, o entardecer foi com Ruy Belo. As palavras ditas, porque a sua poesia só assim faz sentido. Os encontros perdidos mesmo antes de encontrados. A infância a seguir à morte, na margem da alegria.
Um dia não muito longe, não muito perto.
Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim
Um dia não muito longe não muito perto
um dia muito normal um dia quotidiano
um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te já que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada pra te dizer
um pouco farto não muito hirto e gagamente absorto
não muito perto desse tal surto
queres tu ver que hei-de estar morto?
Ruy Belo, Todos os Poemas,
CL: 2000.
Sim, hoje, o entardecer foi com Ruy Belo. As palavras ditas, porque a sua poesia só assim faz sentido. Os encontros perdidos mesmo antes de encontrados. A infância a seguir à morte, na margem da alegria.
Um dia não muito longe, não muito perto.
Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim
Um dia não muito longe não muito perto
um dia muito normal um dia quotidiano
um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te já que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada pra te dizer
um pouco farto não muito hirto e gagamente absorto
não muito perto desse tal surto
queres tu ver que hei-de estar morto?
Ruy Belo, Todos os Poemas,
CL: 2000.
segunda-feira, março 01, 2004
imagias #12
Hannu Hautala
sou como um desses caules dos pântanos:
apenas mais uma linha retorcida sobre
o transtorno das águas, quando o sol se põe
– um gesto de elisão ou nostalgia
eu a menos
e a imagem permanecerá igual –
Sandra Costa
Hannu Hautala
sou como um desses caules dos pântanos:
apenas mais uma linha retorcida sobre
o transtorno das águas, quando o sol se põe
– um gesto de elisão ou nostalgia
eu a menos
e a imagem permanecerá igual –
Sandra Costa
...*
1
um regresso não se faz
com o rosto encostado à janela
2
nem seguindo com o dedo
o percurso da chuva
3
nem fechando os olhos
como se morrêssemos
4
nem escrevendo todas
as palavras para o silêncio
Sandra Costa
1
um regresso não se faz
com o rosto encostado à janela
2
nem seguindo com o dedo
o percurso da chuva
3
nem fechando os olhos
como se morrêssemos
4
nem escrevendo todas
as palavras para o silêncio
Sandra Costa
domingo, fevereiro 29, 2004
/§/*
um nome– a tua letra–
o nome agarrado às paredes
húmidas
da
memória
nos cantos de manchas húmidas
nos cantos escuros da memória
um nome como musgo– minando-te
cláudia caetano
um nome– a tua letra–
o nome agarrado às paredes
húmidas
da
memória
nos cantos de manchas húmidas
nos cantos escuros da memória
um nome como musgo– minando-te
cláudia caetano