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sábado, julho 12, 2003

inscrições para Cecília #1*

I [Motivo]

Eu canto
porque o mar permanece

ao fundo dos meus segredos
mais serenos e profundos,

como se de uma nuvem
em disponível solidão
se tratasse.


II [Discurso]

E aqui estou,
na berma da estrada,

onde as papoilas
fazem ninho e o vento
entre a folhagem se suicida,

em frágil e efémero
desatino.


III [Conveniência]

Convém que o sonho
se revele na curvatura das flores
sob a incoerência do azul

que só as manhãs de Março
sabem imaginar,

e se adivinhe no lamento mudo
das sombras que entardecem
o quarto onde escrevo

e se sonhe na dispersão dos poemas
quando fujo de mim.


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Ontem li Cecília Meireles no Portugal dos Pequeninos e fiquei com vontade de retomar o fio perdido de uma das minhas meadas - pegar em alguns poemas de Cecília e evocá-la à minha maneira.

as [minhas] meninas do Jazz*
Holly Cole. [place in the shade]
Lisa Ekdhal. [heaven, earth and beyond]
Diana Krall. [let´s fall in love]
Silje Nergaard. [be still my heart]
Stacey Kent. [They can't take that away from me]
Patricia Barber. [bye, bye, blackbird]

Descobri o jazz há cerca de três anos, graças ao A. e à F. Ou antes, um certa forma de - jazz vocals - que me fez render e até escrever. Dir-me-ão que provavelmente estas meninas não são jazz puro, que me ficarei pela camada superficial deste género de música. Digo-vos que não me importo com os adjectivos e convido-os a ouvirem, por exemplo a Stacey aqui.

p.s. - este post foi modificado porque faltava uma menina. Para outro dia, ficarão as senhoras-sempre-meninas do jazz de que tanto gosto também.

sexta-feira, julho 11, 2003

dual #1

Sobre o silêncio caminho com medos desmedidos
sobre seixos lisos sacudidos de pés aflitos
abrem-se flechas que arredondam a ausência
se os arcos tensos de cordas mansas no estrear dos braços
quisessem lento o desassossego das sombras finí­ssimas
do meio dia.

Dizia sobre o silêncio o caminho mas desfazem-se
agora as mãos em compassivo torpor nas falhas
do vento.


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na procura da poesia partilhada desde o momento primeiro, aqui se tecem, com o cuidado possí­vel, dois fios num pano... qualquer coisa como uma escrita a quatro mãos. mas, que se entenda, em dual nem sandra nem cláudia, não creio que a simples soma de duas escritas, espero antes que uma terceira voz resulte da trama... mais do que revelar, desvelar.


o fundo dos meus olhos*

O fundo dos meus olhos
tem a textura de um pressentimento,
como se aí residissem as manhãs
que querem ser grito ou todas as árvores

que um dia apagarão
o inesperado silêncio das estrelas.

O fundo dos meus olhos
tem a textura de um fragmento
onde as magnólias se rodeiam
de sombras e de fábulas e abrem
aquela hora da tarde

em que as canções estremecem
com as coisas quietas do amor.

quinta-feira, julho 10, 2003

ilfponKtodapoesiatodaKnopfli*
leio no jl que já aí­ andam quinhentas e quarenta páginas de obra poética de rui knopfli, pela imprensa nacional/casa da moeda. eu não posso assegurar, porque ainda não me passaram pelas mãos todas aquelas folhas, sequer lhe avistei a capa, mas certamente por lá:

Entreteço palavras
na malha áspera destes versos
e a tessitura triste que faço
mais esmorece no azul baço
do papel. Entristeço então
a alma numa renda miúda
e apertada de ponto incerto
e complicado. Estabeleço assim
dois mundos convergentes:
A textura entristecida dos versos
e a tristeza entretecida da alma.
E logo esqueço onde tudo isto
teve começo:
Se de entristecer palavras,
se de entretecer sentimentos,
se de constranger a alma,
se de contristar palavras:
se me contristei constrangendo,
se me constrangi contristando.

Sei que me contristo entretecendo
E me entreteço de tristeza.



e depois tenho esta imediata simpatia pelos poetas que falam das coisas da oficina e da carpintaria...

eu trabalho, dura e dificilmente,
a madeira rija dos meus versos
sílaba a sílaba, palavra a palavra


quarta-feira, julho 09, 2003

la luna asoma*

Cuando sale la luna
se pierden las campanas
y aparecem las sendas
impenetrables.

Cuando sale la luna,
el mare cubre la tierra
y el corazón se siente
isla en el infinito.

Nadie come naranjas
bajo la luna llena.
Es preciso comer
fruta verde y helada.

Cuando sale la luna
de cien rostro iguales,
la moneda de plata
solloza em el bolsillo.


Federico García Lorca, Obra Poética Completa, Martins Fontes, 2002
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Para a C. que me fez chegar o prometido livro:


Às sete da tarde
já a meia lua branca
definia a quieta dança
sobre a cidade

em contraste com o branco
dos prédios e os eternos
regressos.

terça-feira, julho 08, 2003

dualidades mínimas #9

Todo o tempo é curvo
quando nas tuas mãos
sou trajecto e às vezes pássaro.

'atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona',*

a propósito do Nava que Nelson D'Aires julgou encontrar em Cláudia.

Não tenho qualquer livro de Luís Miguel Nava, nem sei se um dia terei. Sei que há tempos lhe li alguns poemas, encontrados aqui e ali e que me ficou uma sensação abrasiva, por entre algumas imagens que me diziam muito. Transcrevo uma que me é profundamente significativa:

Sem outro intuito

Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extraírem
às águas o silêncio que as unia.


Luís Miguel Nava, Vulcão, Quetzal, 1994

Sei também que ele foi assassinado e só agora soube da sua Fundação e da respectiva revista Relâmpago.

Talvez um dia me dê melhor com a poesia abrasiva e encontre realmente Nava.

alçude*
recebo hoje no mail boas notícias, um mail da associação cultural "alçude". para mim, o alçude é o bar "boa onda" que fica junto da terceira rotunda que encontro, se saio de minha casa, a caminho da saída para montemor (chafariz das bravas, évora). mas, de vez em quando, lembro-me que o alçude é bem mais do que isso, porque, de vez em quando, acontece por lá qualquer coisa, uma espécie de ventinho bom que faz dançar as árvores.
pois muito bem, a saber, no próximo fim-de-semana temos visitas e festas. hummm, uma feira do livro é uma festa, não é? seria bom poder deixar o link para a agenda, enfim, para o folheto que recebi, mas quer me parecer que ainda não há disso, esperemos que a seu tempo. assim sendo dedico-me ao serviço público.

Sexta-feira, dia 11:
20h- abertura da feira do livro e inauguração da exposição de fotografia "SONHOS PARA DEPOIS DA GUERRA", de Javier Diaz.
22h- encontro de escritores da lusofonia com: Francisco José Viegas, José Eduardo Agualusa e Luis Cardoso.

Sábado, dia 12:
20h- abertura da feira.
22h- "Mulher Avestruz": Concerto de jazz por Helena Caspurro (piano e voz); apresentação do livro Meu Património, de Alberto Péssimo, sobre poema de Helena Caspurro; Concerto de piano por Ulf Ding.

Domingo, dia 13:
20h- abertura da feira.
22h- apresentação do livro Coisas Que Terei Pudor De Contar Seja A Quem For, de Margarida Morgado.



quem é amiguinha, quem é?


segunda-feira, julho 07, 2003

dualidades mí­nimas #8

quero-te a pele constante
na frequência dos dedos

no romper das unhas


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nos útimos dias estive pelo concelho de sesimbra, fui atrás de uma senhora chamada björk. volto com dores no corpo (não estou habituada a acampar), volto com este cansaço todo, volto com um bocadinho da senhora comigo, inevitavelmente. sempre que possível, roubar almas, sempre que possível, sugar do que se vê em adoração uma essência qualquer.

de évora a vendas novas, pegões, setúbal, a serra, a serra, a serra! o mar, o mar, o mar! passear é bom. passear de mapa ao colo e sem sentido de orientação é uma aventura. brincar é bom. a björk parece que brinca em palco. eu não tenho palco, jogo matraquilhos e rio sempre que possível.

domingo, julho 06, 2003

da poesia e do silêncio*
Eu queria escrever que a poesia nada tem a ver com o silêncio. Eu queria escrever que a poesia tem tudo a ver com o silêncio. Que a poesia, por ser poesia, prolonga as confidências das fontes e os ressentimentos raros e troantes das aves; que a poesia, por ser poesia, demora-se nos cantos mais escuros da casa à procura da solidão como se procurasse o rasto das aranhas. Eu queria escrever que a poesia é o rebentar das falésias contra a lua como todos os naufrágios; eu queria escrever que só a poesia faz ecoar o escuro; depois do silêncio, o silêncio ainda.

Nada.
Tudo.

Ritmo.
Silêncio.

O ritmo do silêncio.

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A propósito do comentário do David à surdina, o primeiro post deste blog. Nunca ouvi jazz numa cave bafienta cheia de fumo. [em sussurro]

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