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sábado, outubro 11, 2003

imagias #7

Paul Klee: Angelus Novus, 1920
Paul Klee, Angelus Novus (1920)


Angelus Novus que estais do outro lado do vidro
do outro lado da vida rosto encostado à minha respiração
estridentes são esses teus olhos que procuram e vêm
dos lugares onde não rezam a história nem os risos da infância
trazes as asas talvez como braços que prometem o infinito
mas se nada mais são do que ângulos eternamente abertos
a tua boca apenas prolonga o fio que me prende ao chão

poesia

cresço num canto da janela*

Cresço num canto da janela,
a olhar para fora como se o mundo
fosse um abismo para além do parapeito,
resguardada de mim e dos outros
por um reposteiro, onde já nem as sombras
pousam de tanto silêncio estagnado.

Cresço num canto da janela,
como o pássaro dos poemas longínquos.

sexta-feira, outubro 10, 2003

a última lição*
Há dias anunciei por aqui uma conferência a que iria assistir, tratava-se da Problemática do desenvolvimento: uma introdução facciosa, pelo professor Tomaz Moreira. a "última lição" deste senhor, que acaba de ser jubilidado. Uma imperdível lição, acrescento. A saber, o professor Tomaz Moreiro, tanto quanto percebi, tem formação em agronomia, mas é um ecólogo por excelência. Foi assim que nos foi apresentado. O que se passou a seguir mostrou que, muito para além disso, é um humanista, é isto que me apetece chamar-lhe.
Foram muitas as referências literárias (quero acreditar que apanhei a maioria), muitas as científicas (não apanhei a maioria, de longe), foi delicioso o humor.
Entender porquê uma "introdução facciosa". Porque, sendo o professor um ecólogo de coração, toda a problemática e teorização acerca do desenvolvimento irá ser introduzida, acompanhada, em permanência, e incondionalmente ligada à ecologia.
Saber em que ponto estamos do desenvolvimento, que factores se colocam no caminho do desenvolvimento. Para o que se caminha.

"A problemática do desenvolvimento deve começar na paisagem e terminar na alma." , prof. Tomaz Moreira

No entremeio ficaram considerações muito simples e, parece-me, muito acertadas, acerca dos fogos que nos assolaram e de como as coisas podem levar um outro rumo, haja a vontade, e o bom senso de um ordenamento do território inteligente. A ideia da participação, do envolvimento essencial da comunidade no que respeita ao desenvolvimento dessa mesma comunidade, ou seja, uma liderança do grupo, mais do que de uma pessoa. (aqui os devidos parêntesis, quando a coisa tocou Marx, o prof demarcou-se da ideia de ser um revolucionário, longe disso, ele é afinal e cito "um homem com sete pares de pantufas em casa".)

Para o fim ficou a reflexão em torno da "angústia", contra a qual se sugere a "generosidade".
Naquela que já vai sendo uma visão extravagante da academia, dizer a Universidade enquanto um "grupo de pessoas ansiosas por aprender" e avançar daí para o serviço à comunidade.

Lamento não saber dizer muito mais, e muito melhor, acerca do que assisti.... olho para os apontamentos que tirei (sim, tal qual a aluna atenta e interessada na sala de aula), lembro-me do encanto e da delícia das palavras e da bonomia... revejo os nomes, Arquimédes, Oscar Wilde, Morse, Pitágoras, Gedeão, Pd António Vieira...
Quero mais professores assim!


quinta-feira, outubro 09, 2003

dualidades mí­nimas #29

não me espanto com a água
estagnada nos meus olhos só com
as folhas que não param de dançar

exposição diplicidades*




Fica o convite. O Paulo merece. Apareçam.

quarta-feira, outubro 08, 2003

conferência:*
"Problemática do desenvolvimento:
uma introdução facciosa
, professor catedrático Tomaz Jorge da Silva Moreira

8 de outubro de 2003 - 18:00 horas
anfiteatro 4 - colégio luis antónio verney

Esta conferência pretende prestar homenagem a este nosso emérito professor, recentemente jubilado, e constituirá uma última lição mas também uma lição inaugural do ano 2003-2004 num tema da maior actualidade científica, e é destinada a um vasto público, compreendendo a nossa comunidade académica, colaboradores e colegas de longa data, e antigos alunos.

Este evento é promovido pelo Departamento de Ecologia da U.E."

limito-me a transcrever o mail que tinha ontem na caixa de correio. não sei que dizer do prof. Tomaz Moreira, apenas que nos últimos tempos tem crescido a curiosidade (coisas que me têm dito) e que esta será uma oportunidade que não deixarei escapar, uma espécie de agora ou nunca. espero ainda voltar a este assunto com renovado entusiasmo, amanhã.

(ocorre-me agora, não sei se este post conta como serviço público, se publicidade institucional...)


segunda-feira, outubro 06, 2003

}(){*



Fernando Seborro, rede (véu do mundo)
___________________________


sentava-se ali todas as tardes. era como se sentasse ali todas as tardes. ano após ano. foram pouquíssimos os motivos que, uma ou outra vez, prevaleceram ao entardecer ali. as dores de cabeça que subiam ainda o insuportável meio tom e o levavam directo para o quarto assim que chegava a casa, onde permanecia até ao dia seguinte, sem jantar, sem a telenovela (ou mesmo a bola que fosse), sem o leite morno e sem forças contra nada, contra aquilo. o esquecer-se (umas cinco vezes, ao todo) do tempo entre minis e a manilha – a manilha é semelhante à sueca, na manilha o sete é a carta mais valiosa e não o ás. nem sempre se lembrava disto, já para não falar nos sinais; a carta a ser largada em cima da mesa, ou rodopiando até ao centro, ou numa pancada seca de dedos no contraplacado e a carta entre o indicador e o polegar. como podia ele saber que o parceiro estava a corte a espadas, ou suspeitar que tinha o às de copas seco, ou entender ao certo as razões que diziam imperdoável ter guardado aquele trunfo para a última vaza, como se lhe fosse possível adivinhar que só palha?... pior era esta sua disposição para a derrota, não se importava com ganhar ou perder, e isto sim, mais que tudo o resto, levava os outros jogadores aos arames, coisa que até entendia. entendia que jogar às cartas sem ser para ganhar era como deitar semente e não colher, ou mesmo como aquela vez que teve lábios de cereja abrindo-se contra os seus e os não transpôs com a língua. jogar às cartas por jogar era atirar à cara de todos os outros o conformismo de que eles fingiam escapar a cada cartada, sabia-o e entendia que só o chamassem para jogar em último caso (quando nem mesmo o velho reis estava disponível – o reis já quase não via nada, por causa das cataratas, entre paus e espadas tornava-se difícil distinguir e, o mais das vezes, acabava por trocá-los, enganava-se, não fora isso e seria um jogador de mão cheia, era inteligente, acompanhava o jogo e tinha estratégia, mais, como os outros, esforçava-se por ganhar) – acabando por chegar a casa já montado no sol. também aconteceu uma vez ser mandado parar pela guarda, foi o cargo dos trabalhos, a placa da matrícula tinha caído no dia anterior e, para desenrascar, prendeu-a na parte de trás do capacete. ele lá argumentava como podia, que aquilo era mais que prova da sua intenção de não infringir, mas a guarda não vai em cantigas. nesse dia, assim que entrou em casa, começou a descascar cebolas para a sopa de tomate, sem querer saber da tarde. um homem não é de ferro e há dias em que nenhuma beleza comove, sequer, demove do desperdício do exercício de exacerbação de si. mais valia descascar cebolas, se o espírito teimava em ocupar-se de motorizadas velhas e de tipos barrigudos a dar-lhes lições de cidadania.
assim, salvo as raríssimas excepções aqui enumeradas, sentava-se ali e entardecia-se. ocorria-lhe, de longe a longe, dar conta daquela rede, aquilo já não dizia muito bem dos seus preceitos. justificava-se consigo e dizia ser bom um filtro para o mundo, mas, melhor, um filtro rasgado para o mundo.


desagrado*

desagrada-me esta tendência para o absoluto
dos dias depositados num único poema
ainda que esta inquietude se assemelhe
à dos velhos nos bancos de jardim

domingo, outubro 05, 2003

dualidades mí­nimas #28

como o cão vadio guardo-te o caminho
se por um minuto me passas a mão pela cabeça

coçando a dor como quem coça costas


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