sábado, setembro 20, 2003
para deitar fora III*
situário sem sentido para criar um infância comum
O ângulo do riso
onde crescem os musgos.
À varanda de uma sonata,
ouvido pousado sobre a lua.
O cume da melancolia,
um passo antes da vertigem.
Entre o tempo e a morte,
do lado das coisas que não existem.
A sombra de um papagaio de papel
porque esse é o credo.
Outra vez no bolso esquerdo da casa
onde há poemas que se acendem e apagam:
néons ou o ritmo cardíaco.
...?
situário sem sentido para criar um infância comum
O ângulo do riso
onde crescem os musgos.
À varanda de uma sonata,
ouvido pousado sobre a lua.
O cume da melancolia,
um passo antes da vertigem.
Entre o tempo e a morte,
do lado das coisas que não existem.
A sombra de um papagaio de papel
porque esse é o credo.
Outra vez no bolso esquerdo da casa
onde há poemas que se acendem e apagam:
néons ou o ritmo cardíaco.
...?
sexta-feira, setembro 19, 2003
sofro de um mal de espanto.*
ficar os dias assim de olhos ligados às
tomadas
aquietar as mãos assim esgravatando de unhas
a areia
parar de brincar com os dedos dos pés
e de morder as palhinhas dos refrigerantes
deixar-me de brincadeiras tontas que não
será a precária ligação à terra a livrar-me do
choque
engolir e parar
o ar pelas narinas e parar
o vento ou calor ou um vento abrasivo na pele e parar
o instante cada um deles
e saber já da certeza de viver até ao fim
de boca esquecida de si
de peito tolhido de assombros
como quando a tua pele se fez macia debaixo
do beijo
e eu quase não acreditei
ficar os dias assim de olhos ligados às
tomadas
aquietar as mãos assim esgravatando de unhas
a areia
parar de brincar com os dedos dos pés
e de morder as palhinhas dos refrigerantes
deixar-me de brincadeiras tontas que não
será a precária ligação à terra a livrar-me do
choque
engolir e parar
o ar pelas narinas e parar
o vento ou calor ou um vento abrasivo na pele e parar
o instante cada um deles
e saber já da certeza de viver até ao fim
de boca esquecida de si
de peito tolhido de assombros
como quando a tua pele se fez macia debaixo
do beijo
e eu quase não acreditei
quinta-feira, setembro 18, 2003
dualidades mínimas #24
manter os braços quietos
na projecção da espera até doer
até ao esquecimento do sangue
manter os braços quietos
na projecção da espera até doer
até ao esquecimento do sangue
quarta-feira, setembro 17, 2003
minimalíssima*
esta noite todos os regressos
de vigília às sombras
esta noite todos os regressos
de vigília às sombras
terça-feira, setembro 16, 2003
fui*
buscar à carteira. boa noite.
Quando eu era pequenino, as ciências não eram mais que intuições caseiras: a noite, uma onda a caminhar sobre a terra; os dias, árvores que, sem raízes, navegavam pelos oceanos, todos esses oceanos solitários que passavam pela mente e, dela, fluíam para a escuridão.
Ao olhar pela janela, confrontava-me com o universo - toda aquela glória, por nada ensombrada e não ser pela lâmpada da iluminação pública.
Via homens estranhos, saltando de estrela em estrela, e miúdos, a balançarem-se em cordas pelo espaço fora.
Ali está o céu.
Ondula como um tapete azul-escuro. Alguém exala fumo verde. Quando estico as mãos para o céu, as estrelas caem e brilham no chão.
Einar Már Gudmundsson, Anjos do Universo, Canguru, 2003, p. 40.
buscar à carteira. boa noite.
Quando eu era pequenino, as ciências não eram mais que intuições caseiras: a noite, uma onda a caminhar sobre a terra; os dias, árvores que, sem raízes, navegavam pelos oceanos, todos esses oceanos solitários que passavam pela mente e, dela, fluíam para a escuridão.
Ao olhar pela janela, confrontava-me com o universo - toda aquela glória, por nada ensombrada e não ser pela lâmpada da iluminação pública.
Via homens estranhos, saltando de estrela em estrela, e miúdos, a balançarem-se em cordas pelo espaço fora.
Ali está o céu.
Ondula como um tapete azul-escuro. Alguém exala fumo verde. Quando estico as mãos para o céu, as estrelas caem e brilham no chão.
Einar Már Gudmundsson, Anjos do Universo, Canguru, 2003, p. 40.
domingo, setembro 14, 2003
para deitar fora II*
perguntário sem sentido para criar uma infância comum
o que significam as tardes se no fim do dia
se acendem as luzes da rua?
porque é que arrancando a urze dos olhos
do meu pai me ficam as mãos em concha?
onde devo depositar o chão que treme
por cada medo que decifro à contraluz?
qual o segredo das cordas e do papel
de embrulho para que eu não desconfie
do que nos segura à terra?
se não te prometer que regresso
amanhã contas-me uma história?
...?
perguntário sem sentido para criar uma infância comum
o que significam as tardes se no fim do dia
se acendem as luzes da rua?
porque é que arrancando a urze dos olhos
do meu pai me ficam as mãos em concha?
onde devo depositar o chão que treme
por cada medo que decifro à contraluz?
qual o segredo das cordas e do papel
de embrulho para que eu não desconfie
do que nos segura à terra?
se não te prometer que regresso
amanhã contas-me uma história?
...?
No tempo*
em que as crisálidas indicavam o percurso da dor, quis desobedecer ao silêncio e arrombar-me a textura de invisível. Assim imaginasse que para além dos dias fica o horizonte e que à altura das árvores chego com os poemas que deito fora.
em que as crisálidas indicavam o percurso da dor, quis desobedecer ao silêncio e arrombar-me a textura de invisível. Assim imaginasse que para além dos dias fica o horizonte e que à altura das árvores chego com os poemas que deito fora.
na rede*
na rede
sou eu que balanço
um pouco acima do chão
como a baínha dos meus naufrágios
junto às pernas
ou a hesitação da luz sobre as flores
se escrevo borboleta
um pouco acima do chão
tão longe do que escondo
e do que revelo se estremeço
tão longe e perturbado o azul
na rede
sou eu que balanço
um pouco acima do chão
como a baínha dos meus naufrágios
junto às pernas
ou a hesitação da luz sobre as flores
se escrevo borboleta
um pouco acima do chão
tão longe do que escondo
e do que revelo se estremeço
tão longe e perturbado o azul
B)...*
quando andava na escola primária, as meninas recebiam bilhetinhos dos meninos. umas vezes os meninos identificavam-se. outras diziam "és a miúda mais gira da escola" e não assinavam. os motivos por que optavam pelo anonimato iriam da inocente timidez aos primeiros indícios daquilo a que um adulto apatetado chamaria "jogo de pura sedução". depois cresce-se um bocadinho, muda-se pouco, mudam as estratégias.
e eu, não sendo uma rapariga de muita idade, sério que não, já vou dando por mim a pensar "valham-me os deuses, acho que já não tenho idade isto.". acontece, por exemplo, na manhã seguinte a um jantar mais animado, ou a uma saída mais regada, quando percebo que não me diverti assim tanto que justifique a dor de cabeça, o embrulho do estômago, a secura da boca. acontece também quando tiro a bicicleta da garagem (estrategicamente guardada em casa dos pais) para ir até ao jardim mais próximo deitar os bofes pela boca. devo estar a ficar, mais que velha (que não estou, garanto que não estou), cansada.
bom, ao que aqui me traz, que é assunto delicado e que hesito contar, por decoro, por receio da indelicadeza. não é que ao fim de vinte anos volto a receber recadinhos anónimos? só que assim, por sms, tem muito menos piada. aprendam, vós que começais agora na arte da sedução, começou com um enigmático "olá cláudia", para depois, passadas horas, me lembrar que devia estar a morrer de curiosidade sobre a sua identidade e que seria melhor assim, que eu a não soubesse, que jogaríamos, que me iria dando pistas até que eu descobrisse, e era certo que eu iria descobrir, apesar de de não nos conhecermos, era o que me dizia. achei que me estavam a gozar. comecei a pensar e lembrei-me que m. comentara que havia comprado telemóvel novo e ainda não me havia dado o número, mas este não é bem o seu tipo de brincadeira. quem, dos meus amigos ou conhecidos, poderia lembrar-se de um disparate destes? ocorreu-me p., capaz de se lembrar de todo e qualquer tipo de disparate. o certo é que à medida que as mensages foram chegando fui encurtando a lista de suspeitos até chegar, meio incrédula, à constatação de que esta pessoa estava mesmo a falar a sério.
alguém que, pelos vistos, me vê todos os dias (excepto fins-de-semana e férias), alguém que jé falou comigo por mais do que uma vez (não muito mais que o boa tarde, é certo) deu-se ao trabalho de desencantar o meu número (nota mental: não esquecer de açoitar brutal e impiedosamente s. por me entregar de bandeja) para me cortejar como se fosse uma menina de oito anos. parece que me quer levar ao cinema, é o que me diz.
Évora tem duas salas de cinema (não contando com os filmes que passam no auditório soror mariana, até porque esses ainda estão de férias), alfa 1 american pie, alfa 2 piratas das caraíbas, não me apetece ver nenhum dos dois, para ser franca, tão pouco me apetece sair com alguém que me queira levar a assistir a qualquer um dos dois. em justiça, é possível que a criatura nem sequer saiba quais os filmes da semana.
quando andava na escola primária, as meninas recebiam bilhetinhos dos meninos. umas vezes os meninos identificavam-se. outras diziam "és a miúda mais gira da escola" e não assinavam. os motivos por que optavam pelo anonimato iriam da inocente timidez aos primeiros indícios daquilo a que um adulto apatetado chamaria "jogo de pura sedução". depois cresce-se um bocadinho, muda-se pouco, mudam as estratégias.
e eu, não sendo uma rapariga de muita idade, sério que não, já vou dando por mim a pensar "valham-me os deuses, acho que já não tenho idade isto.". acontece, por exemplo, na manhã seguinte a um jantar mais animado, ou a uma saída mais regada, quando percebo que não me diverti assim tanto que justifique a dor de cabeça, o embrulho do estômago, a secura da boca. acontece também quando tiro a bicicleta da garagem (estrategicamente guardada em casa dos pais) para ir até ao jardim mais próximo deitar os bofes pela boca. devo estar a ficar, mais que velha (que não estou, garanto que não estou), cansada.
bom, ao que aqui me traz, que é assunto delicado e que hesito contar, por decoro, por receio da indelicadeza. não é que ao fim de vinte anos volto a receber recadinhos anónimos? só que assim, por sms, tem muito menos piada. aprendam, vós que começais agora na arte da sedução, começou com um enigmático "olá cláudia", para depois, passadas horas, me lembrar que devia estar a morrer de curiosidade sobre a sua identidade e que seria melhor assim, que eu a não soubesse, que jogaríamos, que me iria dando pistas até que eu descobrisse, e era certo que eu iria descobrir, apesar de de não nos conhecermos, era o que me dizia. achei que me estavam a gozar. comecei a pensar e lembrei-me que m. comentara que havia comprado telemóvel novo e ainda não me havia dado o número, mas este não é bem o seu tipo de brincadeira. quem, dos meus amigos ou conhecidos, poderia lembrar-se de um disparate destes? ocorreu-me p., capaz de se lembrar de todo e qualquer tipo de disparate. o certo é que à medida que as mensages foram chegando fui encurtando a lista de suspeitos até chegar, meio incrédula, à constatação de que esta pessoa estava mesmo a falar a sério.
alguém que, pelos vistos, me vê todos os dias (excepto fins-de-semana e férias), alguém que jé falou comigo por mais do que uma vez (não muito mais que o boa tarde, é certo) deu-se ao trabalho de desencantar o meu número (nota mental: não esquecer de açoitar brutal e impiedosamente s. por me entregar de bandeja) para me cortejar como se fosse uma menina de oito anos. parece que me quer levar ao cinema, é o que me diz.
Évora tem duas salas de cinema (não contando com os filmes que passam no auditório soror mariana, até porque esses ainda estão de férias), alfa 1 american pie, alfa 2 piratas das caraíbas, não me apetece ver nenhum dos dois, para ser franca, tão pouco me apetece sair com alguém que me queira levar a assistir a qualquer um dos dois. em justiça, é possível que a criatura nem sequer saiba quais os filmes da semana.