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sexta-feira, julho 25, 2003

fly me to the moon #4
volto às meninas do jazz... a sandra falava delas por aí. hoje, trago outra. não é pela novidade, com certeza. mas parece que só sei falar dos afectos depois de devidamente digeridos. às vezes, são precisos anos.




escrevia poesia e mostrava-ma como se nada... fazia-me acreditar que, apesar de tão novinha, já "havia qualquer coisa" na minha. era rigoroso na crítica, às vezes, fazia uma careta "mas tens coisas melhores.", folheava para trás o caderninho, "olha aqui, por exemplo, ou este... não é que esteja mal, mas já tens feito melhor.". era preciso isso. é preciso.
ensinava-me coisas, como convém nestas histórias... não estou a tentar ser original, aliás, aviso que é bem possível até já ter lido algo como isto em folhetins baratos. seja como for, acho que todas as meninas deviam ter uma história destas para contar,para guardar... ou o equivalente, porque nem toda a gente tem que gostar de poesia e prokofiev, mas há contornos que a todos agradam e, insisto, todas as meninas e, já agora, todos os meninos deviam ter uma história como esta. só não sei é se é bonito revelar assim, se a mato, assim. arrisco, omitindo o que achar por bem.
com o tempo cheguei-lhe à cozinha, mas nunca muito mais do que descascar batatas, a ajuda possível. num desses dias, preparou o jantar, é possível que tenha sido eu a pôr a mesa, abriu o vinho e serviu-nos. escolheu patricia barber. o resto é só meu.


eu sei que os lugares-comuns são coisinhas irritantes e vazias à conta da repetição. sei que quem deles se usa se arrisca ao ridículo. mas que vou fazer? as vidas têm destas coisas. nem sequer me interessa o requinte literário nesta ((des)necessária?) exposição gratuita, não será mais do uma escrita diminuida pela permanente hesitação.


quinta-feira, julho 24, 2003

diálogos com o silêncio*
Era minha intenção escrever um diálogo mas hoje as palavras não estão de feição; um poema abaixo cheguei a escrever morte e só depois amor; por vezes, soa melhor o silêncio contra o silêncio, não vá alguma coisa partir-se de permeio e as buganvílias desapareçam de todas as varandas. Deixo Daniel Faria a falar por mim:

Explicação da escuta

Ninguém me chama

Escuto o calcanhar do pássaro
Sobre a flor
E não respondo


Daniel Faria, Explicação das Árvores e de Outros Animais, Fundação Manuel Leão, 2002

dualidades mí­nimas #13

Uma pedra entre a próxima
palavra e o precipício da noite:
aqui jaz o amor ou o silêncio.

Chavela Vargas*



Graças à recomendação do Almocreve das Petas, pude ver o lindíssimo documentário sobre Chavela no People & Arts que passou esta noite. Quem não conhece esta mulher, cantora, deveria conhecê-la. Encanta-nos, emociona-nos. Procurem-na, se puderem, não vos trago links sobre ela porque ela é a liberdade. Deixo-vos a letra de uma das suas canções:


Canción de las simples cosas

Uno se despide insensiblemente de pequeñas cosas,
lo mismo que un árbol en tiempos de otoño muere por sus hojas.
Al fin la tristeza es la muerte lenta de las simples cosas,
esas cosas simples que quedan doliendo en el corazón.

Uno vuelve siempre a los viejos sitios en que amó la vida,
y entonces comprende como están de ausentes las cosas queridas.
Por eso muchacho no partas ahora soñando el regreso,
que el amor es simple, y a las cosas simples las devora el tiempo.

Demorate aquí, en la luz mayor de este mediodía,
donde encontrarás con el pan al sol la mesa servida.

Por eso muchacho no partas ahora soñando el regreso,
que el amor es simple, y a las cosas simples las devora el tiempo.

Demorate aquí ...por eso muchacho ...
Demorate aquí ...por eso muchacho ...



Infelizmente, está quase a retirar-se (como se ela alguma vez o fizesse do sentir de quem já a escutou): "Como el canto es parte inseparable de mí, seguiré junto a la música en las calles y en mi vida cotidiana. No es que dejaré de cantar... Mis vecinos y mis amigos seguirán soportando los embates de mi voz, que sólo callará cuando me pongan la tapa de madera" (Chavela Vargas)

terça-feira, julho 22, 2003

não vou comentar*
o programa do FJV desta noite sobre blogs, até porque nunca aqui nada foi escrito sobre a auto-denominada blogosfera (embora estejas à  vontade para o fazer clAud). Ficou-me apenas no pensamento o comentário de Pedro Mexia sobre a menor qualidade dos blogs de/sobre poesia. Acho que concordo embora ainda não me tenha debruçado muito sobre o assunto, nem sei se me irei debruçar. Por outro lado, não sendo este um blog de poesia, aqui também se escreve poesia, logo qual será o nosso grau contribuição para esta situação? Eu tenho uma pequení­ssima visão crí­tica sobre o que escrevo (não 'publico' algo que não goste minimamente) e gosto muito da escrita da Cláudia mas, provavelmente, o que mais procuramos (abuso clAud) é a partilha. Daí a avaliar-nos a qualidade... Fico-me por aqui porque já vai longo o não comentário.

imagias #2


Jackson Pollock, Blue (Moby Dick)

não quero as fronteiras que encerram como
muros de não acabar
tão pouco me entendo necessários os longos
túneis onde o fim é sempre mais adiante - sem luz
dado que tantas curvas e a saída
suspeito-a fechada

dá-me o mar aberto das tuas mãos em palmas às nuvens
o mar aberto do teu azul dito céu ou feito frio de noite ou desejado
gelo derramando arrepios nas costas
o mar aberto da imensa rua onde habitas e navego
derivo

ou então
deixa
dá-me o braço que faço remo e faço-te barco
e basta-me um rio


segunda-feira, julho 21, 2003

deixo que a tarde aconteça*

Deixo que a tarde aconteça
na acumulação da sombra sob os plátanos,

deixo e a cidade fica mais longe, de volta
os pássaros como se o tempo fosse sempre
princípio e ninguém precisasse de um horizonte
para se situar rente à violência das flores
amortalhadas nos olhos das crianças ou para
reaver a lucidez incómoda das estrelas,

deixo, ainda que fique mais fria esta tarde
acontecida.

({(*
conta-me dos dias que não passaram secos
que não romperam sem permissão a carne

conta-me das piscinas que fazes para cá e para lá
sem hesitação e das maratonas de gelado de chocolate

(enquanto corto ao meio os maracujás para comermos depois
é preciso que me atribua tarefas simples e precisas)

conta-me dos homens que fazem a música que me ofereces agora
conta-me da música e explica se puderes por que rasam a minha
pele a esta distância comprometedora
os restos de ontem


domingo, julho 20, 2003

recomendação irónica*
de uma não candidata a jovem escritora: aqui. Ah! Eu só escrevo alguns poemas; alguma matéria residual à volta é só isso mesmo, por muito gozo que isto tivesse dado e que eu até queira repetir.

acrescentos*
ali ao lado e uma recomendação: um belíssimo texto de Rita Rodrigues (quem quer que ela seja) publicado no Desejo Casar, a partir de um e-mail recebido.

dualidades mí­nimas #12

o lençol lavado em repouso de algodão
sob a brancura irregular do corpo

traçados violeta dizem pastoso vermelho


elogio da sombra #2



«Ontem, soprava um vento conhecido. Um vento que eu já havia encontrado», assim começa Ontem de Agota Kristof. Já tinha lido na badana do livro que Kristof era uma mulher mas esqueci isso por completo durante o tempo curto que durou a leitura. Intensa leitura que por qualquer razão arbitrária acabou por ser acompanhada pela música de Satie que acompanha o site de Klimt sugerido no post anterior. E, sem saber como nem porquê, aquele pequeno e repetitivo trecho foi a banda sonora ideal para a escrita curta, tensa, poética de Kristof. Ou antes para a escrita de Tobias Horvath. Ou antes de Sandor Lester. Como tudo se entrecruza em determinados instantes. A indestrutível importância do tempo sobre nós. O que somos, o que quisemos ser, o que ainda seremos. Até onde esticará a corda dos nossos sonhos? Dos meus poemas? Do silêncio? Qual o limite para onde tudo converge para que se dê a ruptura, as rupturas? Ouvir um piano que não entra num livro e sentir que ele está lá dentro e sentir que estamos lá dentro. Qual o limite para que se quebre o lugar «onde as pessoas são felizes porque não conhecem o amor»?

«Os músicos reuniram-se sobre a montanha. O maestro dobrou contra si as suas asas negras e os outros começaram a tocar.
O navio deles navegava sobre as vagas da música, as cordas flutuavam ao vento.
Os dedos encurvados do maior afundaram-se na madeira. Os outros quatro retiraram a sua roupa, as suas costelas estendiam-se, os seus joelhos flectiam, sobre as suas artérias dançavam aranhas negras.
No vale o sol ainda retinia, de casas simples e cinzentas brotava a erva do prado quando o músico mais forte que, sonhador, se passeava pelo trigo, se ajoelhou sobre a colina. E cantava ao fundo do navio aquele que foi o mais feliz de todos.
Os outros não viram as escoras do sol impotente. Um quadro encheu-se das cores do céu. Nos olhos iluminaram-se estrelas futuras.
Então, os homens do navio puseram os seus mortos aos ombros deitando um último olhar na direcção da terra.» Podia ter terminado assim o livro que eu não me importava nada.

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