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sábado, novembro 22, 2003

a resposta*
O Nuno não só fez o favor de me ler, como ainda me presenteou com um poema em jeito de resposta ao último que eu aqui deixara. Eis a sua prenda:

recordo-te, contando os dias
que são precisos para uma nova infância
- isto por saber quem és, desde sempre

entro nos quartos à tua procura
despidos de cheiros e de segredos
- só os quadros e as côres com que me deito

recordo-te assim porque não chegas
não podes, não posso
a noite espessa e fria
o corpo cansado

beijo-te as mãos
beijo-te os olhos


.....................................................................................

Só posso agradecer e relembrar que este é também um poema a descobrir n'O Cheiro a Torradas Pela Manhã


fly me to the moon #6
Eu não sei ao certo de onde vem esta simpatia por este disco, nem sei se é realmente um grande disco. Mas desde o John Cale, que, confesso, prefiro, ao Lou Reed, passando pelo Andy Warhol, ou pela sugestão de The Velvet Underground, vai tudo a meu favor. As canções, umas mais que outras, certamente, mas sempre a meu favor.


Songs For Drella, Lou Reed & John Cale

(...)It wasn't me who shamed you, who covered you with mud
You did it to yourself without any help from me
You act as I could've told you or stopped you like some god
But people never listen and you know that that's a fact

I never said slit your wrists and die
I never said throw your life away
It wasn't , it wasn't me, it wasn't me
You're killing yourself - you can't blame me


quinta-feira, novembro 20, 2003

|=.*
fico-me contando infâncias–
que para cada dia invento uma nova–
e isto é só o estar à tua espera pelo dia

rondo os corredores como se guardasse
dos deuses os segredos e os leitos
– é bom que não se saiba com quem eles se deitam

até que chegas trazendo dentro de ti
a noite muito líquida
um sorriso muito certo
a carne macia e lavada

beijo-te os lábios
beijo-te tudo


terça-feira, novembro 18, 2003

há coisas assim #3*

dez pecadinhos mortais ao acaso

Suavíssimos pretextos para nada;
O medo de ouvir falar o vento;
O avanço das armas escondidas;
Os tesouros perdidos frontalmente;
Sinceridades sem razão de ser;
A violência de conter o murro;
Segredos que se dizem sem ouvidos;
Os silêncios que mascaram as sombras;
O vil excesso de um pão sem fome;
As palavras escritas com maiúsculas.


Rui Almeida,
Dez Décadas, poemas escritos entre 10 e 15 de Junho de 1999
[iluminar]

há coisas assim #2*

Pinto as unhas de negro para perturbar o reflexo de olhares suspeitos.
Nas minhas mãos recua a morte dos pássaros diurnos que desafiam a débil perfeição das estrelas.
E lembro coisas sem nexo, a propósito de um vestido às ramagens verdes: cenas a que não posso fugir, porque perseguem o caos inconsistente das recordações.

É outono, o lugar onde os temores se confundem com a coragem, onde é permitido recordar amores perdidos.
Outono, o lugar onde contorno um horizonte, alternadamente azul e mel, e a liturgia dos gestos se repete, intacta e definitiva.
Aprendo a direcção dos ventos nos braços das mulheres com quem convivo.
Uma andorinha incandescente pulsa na página onde transcrevo um adágio contraditório, enquanto uma ideia, flexível como sombras, contorna o lado indecifrável da cara dos dias.

Fico à entrada da noite, cativa de hábitos estivais.
Procuro uma fonte para recuperar o brilho aguado de um incêndio e descubro que todos os rios do mundo nascem por cima dos meus olhos.
Para além de alguns sons em uníssono na memória dos gestos, há múltiplas paisagens desabitadas no âmago dos homens.

Regresso ao ocaso de rostos abertos aos alarmes da melancolia. O espanto latente nas minhas veias, leva-me a qualquer lado onde posso ser uma pessoa igual às outras, sem o peso das sílabas sobre os meus ombros.
A similitude da água com o corpo, é tudo quanto sei da solidão: abismo fatal no interior do silêncio.
Sou habitante da cidade, como os pombos que esvoaçam a esperança de lés a lés.
Sou habitante da cidade, como todos os sobreviventes do cansaço ritmado dos horários.
As ruas esvaziam-se. Um som sufocado de baladas protege os culpados das ruínas do outono. Em vão me iludo com a claridade da cidade desperta. Ninguém chora a noite depois da passagem dos barcos pelo olhar das pessoas desprevenidas.

Reencontro-me com o estado primitivo do outono e deixo-me seduzir pelo paradoxal destino das gaivotas.
Dentro das minhas mãos, ávidas de ter, encalham navios vindos de todos os mares. Depois, exibo nos pulsos as marcas de naufrágios inexplicáveis, enquanto percorro um cenário vazio, no mutismo de árvores que se despem, lentamente, com o sopro magoado do poente.
Reconheço a minha voz nas palavras de todos os poetas e respiro o alarmante isolamento das multidões, à medida que descubro recantos obscuros na imaginação.
De costas voltadas para a fadiga dos dias, regresso à praia húmida onde nasço quantas vezes eu quero, livre do movimento das sombras que influenciam o percurso dos meus olhos.
No leme de todos os barcos leio o protesto quotidiano dos que nunca se rendem às imposições previstas em todas as pátrias, dos que não aceitam morrer sem saber porquê. E volto, de repente, à absoluta nudez das árvores despojadas de pássaros, onde o vento sopra tão rápido como um rastilho de fé.
Passam, assim, diante de mim contos de fadas, visões, ou apenas remorsos sem memória.


Graça Pires, Outono: lugar frágil

há coisas assim*
que nos fazem sorrir mesmo quando a cabeça estala. E isto não podia deixar de o escrever. Recebi dois presentes que me comoveram hoje. Um chegou daqui, via postal, e falarei mais tarde - com menos dores - sobre ele. O outro chegou daqui e o encanto ainda permanece. O homem é uma paixão inútil, mas é-me essencial estar apaixonada. Há paixões assim, à primeira vista, mas que sabem a amores eternos, que é como quem diz a reencontros.

elogio da sombra #5


Noites Brancas, Fiódor Dostoiévsky, Assírio & Alvim, lisboa, 2001

- (...) garanto-lhe que as mulheres apreciam essa timidez; se quer saber ainda mais, digo-lhe que também eu gosto dela e que não o vou largar até chegarmos a minha casa.
- A menina é capaz de fazer que eu perca a timidez - comecei ee, ofegando de entusiasmo -, e então lá se vão os meus recursos!...
- Recursos? Que recursos? Para quê? Isso já está mal.
- Desculpe, não volto a dizê-lo, escapou-me; mas, o que quer?, num momento destes é natural que haja uma vontade...
- De que gostem de si?
- Exactamente. Mas, por amor de Deus, compreenda-me. Olhe para mim! É que já tenho vinte e seis anos e nunca conheci ninguém na vida. Como poderia então falar com habilidade, com o sentido da oportunidade? Mesmo para si própria é melhor que tudo seja aberto, sincero... Quando o meu coração fala, não sei calar-me. Aliás, não interessa... Pode não acreditar, mas... nenhuma mulher, nunca, nunca! Nenhum conhecimento! Limito-me a sonhar, dia após dia, que encontro finalmente alguém. Ah, se soubesse quantas vezes já estive apaixonado dessa maneira!...


segunda-feira, novembro 17, 2003

exercício #1*
Descemos a avenida com um cartaz do lado esquerdo a servir-nos de muro. Não demos as mãos como se o mundo fosse acabar mas acreditámos na existência das árvores. Com alguma divindade por perto, esperámos pelo autocarro como se espera por um poema: à beira da morte
e despedimo-nos com um beijo.

na não-ausência*
o que mais me agradou foi o 'inventário' de poemas vindos dos Açores recolhidos pelo Rui. Muito mesmo.

há sombras assim*

não é possí­vel desprender junto ao papel
a luz das manhãs-mais-que-perfeitas

há sombras assim - sem tempo -
que nem às paredes se agarram

[inquieto-me] imaginar uma casa
seria perder o dorso da lentidão

a volta no parafuso*
Estou em atraso. Parece que lá não estive (a saber, na Biblioteca Almeida Garrett). Ter-me-ei dissipado na última volta no parafuso? Tento-me na resposta afirmativa a todas as dúvidas.

Gostei de quarta-feira à noite. Gostei de levar a J. comigo e um livro nos braços. Gostei de entrar no jardim do Palácio à noite e dar com um dinossauro à espreita. Gostei de encontrar a Cristina à porta de uma biblioteca ainda desconhecida. Gostei das cadeiras também em volta e de sermos nós o parafuso sobre o livro (e há sempre quem perfure demais as finas paredes da matéria de que se faz um livro). Gostei da curva do cí­rculo preenchido pela blogosfera - havia qualquer coisa de diferente nessa volta (excluindo-me, que pouco falo e gosto mais de ouvir). Gostei da 'dizibilidade' de Henry James, no que diz não revelando, no que induz não conduzindo, na perversão do ser que sê-lo-á?

Nevoeiro noite dentro, por uma saída do Palácio que desconhecia, os sentidos ainda à procura de referências, falou-se ainda de Manuel António Pina, os gatos e o futebol (e todas nós gostávamos que o Pina tivesse aparecido), da poesia que ia acabar e de alguém ter falado num outro projecto, de um possí­vel encontro da blogosfera do Norte e das qualidades do granito.

Notas finais:
elogio às bibliotecárias (?) da Almeida Garrett;
seria bom ver o filme;
a Leitura Partilhada escreveu muito e bem sobre esta noite e o livro - e nos comentários até lá apareceu a tradutora do livro;
cumprimentos pós-blogâmicos:
- Olá, sou a Sandra do tempo dual, esta é a J. sem blog! (gargalhada geral).

regressos*
Em cada folha de Outono se desprendem os regressos

a decompor.

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