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sábado, maio 01, 2004

dualidades mí­nimas #43

aprumado o roer das unhas e da pele
nos cantos até onde não se sangra ainda

mas onde a carne se avermelha de dor


cláudia caetano

quinta-feira, abril 29, 2004

na polpa dos dedos*

Em certas manhãs que se aproximam
de Junho, levo a polpa dos dedos
até às imagens esquecidas de propósito:
de mansinho, como se fosse de vidro
tudo aquilo que queremos lembrar
para além do tempo das palavras.

Sandra Costa

imagias #20


Kasimir Malevich, Complex Presentiment: Half-Figure in a Yellow Shirt


situar a ideia no que precede a composição
para que dela escorra um líquido puro como
o tutano dos grandes blocos de mármore muito antes de colunas em casas de tectos altos

situar-me de frente para o mundo no que
do mundo desconhece a premonição do fim
como quando se é tão pequenino que não se sabe da noite que chega só depois do sono

fazer das formas
segredo


cláudia caetano

quarta-feira, abril 28, 2004

the cruellest month*
"April is the cruellest month, breeding
Lilacs out of the dead land, mixing
Memory and desire, stirring
Dull roots with spring rain."


T. S. Elliot


onde era seco cresceu a fome
e as ruas encheram-se dos meus passos
o som fez-se da minha voz
tão logo nasci

as gargantas cansaram as palavras
os olhos abriram no sentido do desejo
no jeito da flor que rebenta



cláudia caetano

terça-feira, abril 27, 2004

"topping" para gelado de papaia*

Ele até tinha informado os respeitáveis leitores mas, como andei entretida com umas febres persistentes, não estava preparada para entrar no carro e ouvir Kleist a falar com ela. A conversa sucinta mas oh-quão-incisiva gerou-se em torno de uns quantos livros que a Cristina já enumerou. Contudo, o que realmente me fascinou (verbo deveras interessante na boca de um céptico) foi não ter conseguido detectar qual pensa ele ser o melhor "topping" para o gelado de papaia. De facto, isto anda tudo ligado: se eu nunca comi gelado de papaia, porque haveria de me preocupar com o "topping"?

p.s. - É bom conhecer as vozes distantes por detrás dos blogs que nos são mais próximos.

do inferno*

"Não sei nada sobre o inferno. Só sei que não pode ser para sempre. Se fosse para sempre, habituávamo-nos."
(Esse) Ivan


deve ser. o certo é que não me habituo mesmo.
se calhar, é por isso que não se vive sempre.

segunda-feira, abril 26, 2004

tão frágil é o meu entendimento do mundo*

Quando regressei, as flores azuis
ainda estavam na berma da estrada
– talvez um pouco mais escondidas –
à minha espera.


(e eu não soube que conclusão tirar
desse inesperado reencontro)


Sandra Costa

de facto*

É de facto um capacete, este céu
– azulando tão mal as colinas,
perdendo-se na monotonia da tarde.

Nem Deus o tira. Nem Deus.
E as casas, submersas,
falam-me de ti e apagam-se.

Manuel de Freitas, Levadas,
Assírio & Alvim, 2004.

A quatro tempos*

4.

O início e o fim. Observar como o horizonte se transforma em corda lassa e os nomes perdem a tensão das formas e cavalgam como monstros que hão-de vir segurar a noite da solidão possível e impossível. Adivinhar nas sombras que crescem que tombam que se abrem que também os deuses murcham e que as casas agora assim silenciosas não são desfechos só despojos só destroços do que não tem começo nem fim.

Ficaram para trás as mesmas cerejeiras sem flores e o cartaz sobre um cão perdido. A mulher tardou em alisar o vestido, voltou o rosto na direcção do caminho e estremeceu. Fez tudo isto como se movimentam as palavras quando envelhecem. Só depois apoiou os pés sobre o pó da terra como se antes estivesse com os pés noutro lugar.

– Contudo, sob os tempos inexistentes continuarão a erguer-se distâncias sempre próximas da sede do éter do silêncio do amor e no rasto das nascentes que não soubemos encontrar a morte será ainda mais bela e de mim se aproximará um homem que veio de muito longe para me dizer:

Sandra Costa

domingo, abril 25, 2004

Abril #25*

Nada recordo do 25 de Abril. Sou uma das meninas da geração dos cravos, tinha dois anos e meio quando os capitães saíram dos quartéis, depois das canções. Cresci numa casa pouco politizada, mas houve sempre algumas coisas que me foram passadas. O meu pai foi rádiotelegrafista em Angola, a minha mãe diz que a revolução foi um dia de medo mas muito bonito e há um primo meu, que vive em Lisboa, que aparece em cima de uma das árvores do largo do Quartel do Carmo, nas fotografias da época. Não vivi este medo, nem aquela alegria. Não vivi RGA's, nem mãos dadas a cantar Abril. Não vivi discussões sobre a esquerda ou a direita, nem sequer os nomes do MFA. Dizem-me que no Norte era outro o espírito. No entanto, à medida que os anos foram passando, eu aprendi muitas coisas sobre o 25 de Abril. Tirei um curso de História e fui ensinar coisas sobre o 25 de Abril. Aprendi a ouvir as mulheres mais velhas que me rodeiam a falar da sua juventude e dos seus amores e a perguntar-lhes os nomes das flores. Na semana que passou, pedi aos meus alunos que distribuissem cravos pela escola, em nome da revolução. Algures por aqui está o Abril que não vivi e que sei ser também a minha revolução.

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