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sábado, fevereiro 07, 2004

India Song*



Não posso dizer que gostei. Não sei se um dia poderei dizer que gostei. A culpa é só minha. Não ia preparada. Ou não estou preparada. Ou nunca estarei preparada. Ia atrás de uma música lindíssima, de uma história de amor, de Marguerite Duras e de um filme. Saio da sala (resisti até ao fim e acho que a palavra adequada é mesmo 'resistir' - nunca vi tantas pessoas a abandonarem um filme) e venho a dizer que aquilo não é um filme, mas um 'anti-filme'. Mas o que sei eu de cinema? Nem eu quero ou ouso discutir cinema.

Não tinha lido quase nada sobre (evito sempre que posso), apesar das múltiplas referências em Novembro, quando o filme passou em Lisboa. Mas, neste caso, parece-me que eu o deveria ter feito. São demasiadas camadas temporais na tela: 1937 - junto ao Ganges, 1974 - num castelo junto de Paris, 1974/2004 - em torno do mito; é Duras em imagens, a minimalidade excessiva de Duras (que me apraz ler) em imagens e sons; é quase insuportável.

Apesar de tudo isto, sinto que a beleza de algumas cenas não irão desaparecer do meu corpo. E muito menos, India Song.

Ainda que não possa dizer que gostei.

quinta-feira, fevereiro 05, 2004

dualidades mí­nimas #37

a folha da azinheira rija e seca
os teus olhos verdes— vendo—

sugere-se a dureza do tronco em raízes fundas


cláudia caetano

quarta-feira, fevereiro 04, 2004

Prémio Vergílio Ferreira 2004*
Agustina Bessa Luís

"Um dos nomes maiores da ficção contemporânea, sobretudo se tivermos em consideração a prática multiforme que ela conhece: do romance ao conto e à novela, passando pelas memórias, autobiografia e biografia, ou mesmo pela sua obra de guionista, ligada à produção de Manoel de Oliveira, a prática ficcional de Agustina Bessa Luís surge como exemplo modelar do alcance de uma reflexão literária sobre a identidade e a história portuguesas.
Agustina Bessa Luís representa ainda aquilo que a herança da prosa portuguesa de melhor pode transportar para a nossa modernidade, carreando para ela as memórias de uma tradição literária que, entretanto, são continuamente transformadas: um passado literário que a cada momento se faz presente."

o júri


júri:
profª. doutora maria helena etelvina carvalhão buescu (universidade de lisboa)
prof. doutor pedro ferré da ponte (universidade do algarve)
profª. doutora ana clara de sousa birrento matos silva (universidade de évora)
dr. antónio carlos carvalho, crítico literário
prof. doutor luís sebastião, presidente do júri (pró-reitor da universidade de évora)


terça-feira, fevereiro 03, 2004

magnólias, de novo*

Mulheres correndo, correndo pela noite

Mulheres correndo, correndo pela noite.
O som de mulheres correndo, lembradas, correndo
como éguas abertas, como sonoras
corredoras magnólias.
Mulheres pela noite dentro levando nas patas
grandiosos lenços brancos.
Correndo com lenços muito vivos nas patas
pela noite dentro.
Lenços vivos com suas patas abertas
como magnólias
correndo, lembradas, patas pela noite
viva. Levando, lembrando, correndo.

É o som delas batendo como estrelas
nas portas. O céu por cima, as crinas negras
batendo: é o som delas. Lembradas,
correndo. Estrelas. Eu ouço: passam, lembrando.
As grandiosas patas brancas abertas no som,
í porta, com o céu lembrando.
Crinas correndo pela noite, lenços vivos
batendo como magnólias levadas pela noite,
abertas, correndo, lembrando.

De repente, as letras. O rosto sufocado como
se fosse abril num canto da noite.
O rosto no meio das letras, sufocado a um canto,
de repente.
Mulheres correndo, de porta em porta, com lenços
sufocados, lembrando letras, levando
lenços, letras -- nas patas
negras, grandiosamente abertas.
Como se fosse abril, sufocadas no meio.
Era o som delas, como se fosse abril a um canto
da noite, lembrando.

Ouço: são elas que partem. E levam
o sangue cheio de letras, as patas floridas
sobre a cabeça, correndo, pensando.
Atiram-se para a noite com o sonho terrí­vel
de um lenço vivo.
E vão batendo com as estrelas nas portas. E sobre
a cabea branca, as patas lembrando
pela noite dentro.
O rosto sufocado, o som abrindo, muito
lembrado. E a cabeça correndo, e eu ouço:
são elas que partem, pensando.

Então acordo de dentro e, lembrando, fico
de lado. E ouço correr, levando
grandiosos lenços contra a noite com estrelas
batendo nas patas
como magnólias pensando, abertas, correndo.
Ouço de lado: é o som. São elas, lembrando
de lado, com as patas
no meio das letras, o rosto sufocado
correndo pelas portas grandiosas, as crinas
brancas batendo. E eu ouço: é o som delas
com as patas negras, com as magnólias negras
contra a noite.

Correndo, lembrando, batendo.


Herberto Hélder

...............................................

Uma nebulosa de magnólias, no avesso do verso do poeta. Ei-las por todos os lados. Em duplicado. Em pergunta. Nos jardins da Zazie. No mail (como agradecer, Paula?). No meio dos montes, o carro parado, na voz do Herberto Hélder por impulso da Alexandra Lucas Coelho. Como é possível?

da profundeza*

1
Contemplar as sombras
que ficam do lado esquerdo do amor.

2
Nomear o que não existe
com palavras muito antigas.

3
Deixar no poema
apenas o silêncio.

4
Iluminar – assim –
o mundo.

Sandra Costa

A Magnólia*
A exaltação do mínimo,
e o magnífico relâmpago
do acontecimento mestre
restituem-me a forma
o meu esplendor.

Um diminuto berço me recolhe
onde a palavra se elide
na matéria - na metáfora -
necessária, e leve, a cada um
onde se ecoa e resvala.

A magnólia,
o som que se desenvolve nela
quando pronunciada,
é um exaltado aroma
perdido na tempestade,

um mínimo ente magnífico
desfolhando relâmpagos
sobre mim.


Luíza Neto Jorge



*creio ter sido com este poema que pela primeira vez pensei a magnólia.

segunda-feira, fevereiro 02, 2004

nove janelas para a Janela*


Matisse, Raoul Dufy

Andrew Wyeth - AskART art prices appraisal value
Edward Hopper, Andrew Wyeth


René Burri, Bruno Barbey, Elliot Erwitt


Martin Parr, Steve McCurry

domingo, fevereiro 01, 2004

as nuvens*









Catálogo de nuvens, encontrado aqui.


Se hoje voltássemos a olhar na direcção
das nuvens, não sei que trilho iríamos deixar
no chão. O mundo inteiro não precisa destes
mapas que desaparecem assim que o vento
sopra um pouco mais aflito, ainda que olhar

as nuvens seja a única distância
que entendo como lugar.

Sandra Costa

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