domingo, janeiro 23, 2005
Recomendamos com vivacidade,*
no Instituto Politécnico de Portalegre:
«A pintura de Nicolau Saião é inseparável da sua poesia. Criação plástica e criação verbal são duas vertentes da mesma montanha, de que fazem parte também as suas crónicas e os seus ensaios (felizmente) heterodoxos.
Surrealista na melhor acepção da palavra, Nicolau Saião tem construído ao longo destes últimos trinta anos uma obra plástica dotada de uma coerência assinalável que, sem se revestir de monotonia, vem tocando diversas técnicas de expressão e múltiplas formas de representação das imagens interiores e exteriores que a dominam.
Chamei-lhe “surrealista” – não apenas por ter integrado o movimento logo no início dos anos ’70. Fugindo deliberadamente do catecismo banal que muitos epígonos vão imitando com maior ou menor técnica, os quadros de Nicolau assumem aquilo que, de melhor, o verdadeiro Surrealismo nos tem trazido: a libertação total do ser humano e a abertura dos seus olhos a um Universo cheio de maravilha, mesmo quando as sombras desejam obscurecê-lo.
Com esta liberdade que entendeu e assumiu como poucos, Saião tem construído centenas (milhares?) de obras que combinam com sabedoria nostalgias e encantamentos, imagens vindas da infância com o nojo da hipocrisia social, ironia e sarcasmo com uma religiosidade que tantas vezes timidamente assoma. Abstraccionista ou trabalhador incansável de um figurativismo que atrai quem se aproxima sem preconceitos – creio não errar se afirmar que (mesmo fora dos circuitos comerciais) a pintura deste monfortense/ portalegrense será reconhecida pela sua inegável originalidade (reconhecimento que já começa a desenhar-se, em benefício da Arte portuguesa).»
Ruy Ventura
Escritor e professor. Membro da Ass. Port. de Escritores(APE).
no Instituto Politécnico de Portalegre:
«A pintura de Nicolau Saião é inseparável da sua poesia. Criação plástica e criação verbal são duas vertentes da mesma montanha, de que fazem parte também as suas crónicas e os seus ensaios (felizmente) heterodoxos.
Surrealista na melhor acepção da palavra, Nicolau Saião tem construído ao longo destes últimos trinta anos uma obra plástica dotada de uma coerência assinalável que, sem se revestir de monotonia, vem tocando diversas técnicas de expressão e múltiplas formas de representação das imagens interiores e exteriores que a dominam.
Chamei-lhe “surrealista” – não apenas por ter integrado o movimento logo no início dos anos ’70. Fugindo deliberadamente do catecismo banal que muitos epígonos vão imitando com maior ou menor técnica, os quadros de Nicolau assumem aquilo que, de melhor, o verdadeiro Surrealismo nos tem trazido: a libertação total do ser humano e a abertura dos seus olhos a um Universo cheio de maravilha, mesmo quando as sombras desejam obscurecê-lo.
Com esta liberdade que entendeu e assumiu como poucos, Saião tem construído centenas (milhares?) de obras que combinam com sabedoria nostalgias e encantamentos, imagens vindas da infância com o nojo da hipocrisia social, ironia e sarcasmo com uma religiosidade que tantas vezes timidamente assoma. Abstraccionista ou trabalhador incansável de um figurativismo que atrai quem se aproxima sem preconceitos – creio não errar se afirmar que (mesmo fora dos circuitos comerciais) a pintura deste monfortense/ portalegrense será reconhecida pela sua inegável originalidade (reconhecimento que já começa a desenhar-se, em benefício da Arte portuguesa).»
Ruy Ventura
Escritor e professor. Membro da Ass. Port. de Escritores(APE).
o tempo dual*
pede desculpa pela demora na entrega das últimas prendas de Natal. Contamos terminar o desafio por estes dias mas, como se diz cá no Norte, até ao S. João é do coração. Deixamos já em aberto todas as entradas (não esquecemos ninguém, pois não?)- quando estiverem todas preenchidas avisaremos os mais distraídos. Esperamos que tenham gostado. A partir daqui o blog continuará a sua emissão (a)normal. As magnólias estão a abrir.
pede desculpa pela demora na entrega das últimas prendas de Natal. Contamos terminar o desafio por estes dias mas, como se diz cá no Norte, até ao S. João é do coração. Deixamos já em aberto todas as entradas (não esquecemos ninguém, pois não?)- quando estiverem todas preenchidas avisaremos os mais distraídos. Esperamos que tenham gostado. A partir daqui o blog continuará a sua emissão (a)normal. As magnólias estão a abrir.
prenda de Natal para ff*
miette
1.
todas as pequenas coisas
que ficam por dizer,
um vaso de barro e
um punhado de terra
2.
um dia escreverei dos
regressos que são flores
Sandra Costa
miette
1.
todas as pequenas coisas
que ficam por dizer,
um vaso de barro e
um punhado de terra
2.
um dia escreverei dos
regressos que são flores
Sandra Costa
prenda de Natal para a Heloísa*
silêncio
Onde está o silêncio onde jaz o silêncio?
Não neste braço sujo cortado
Não neste tapete espesso neste bloco de apontamentos
onde se cruzam insultos rimas
Não no pequeno perímetro das veias
- afinal tudo tudo entre nuvens de carbono
semelhantes a um bafo de camponês sobre a neve
onde se esmagavam insectos e excrementos de lobo.
O primo velho outrora mo ensinara num mês adolescente.
Onde em que ilha de desolação
sufocado incerto esse silêncio soberano
onde jaz cerzido por traços de faca de pedra.
Não não o barulho de um passo que caminha para a beleza dum rosto
saindo de um vazadouro para a lama musgosa da margem
Brillhante como celofane
O silencio que respira
Sim o silêncio morno de quem procura o vazio
ou de quem busca uma côr imersa na carne recordada
da mão faminta de muitos negrumes alheios
O silêncio que se recolhe
que se desdobra
que nos relembra de momentos e perdas
O silêncio que permutamos
O silêncio para além da luz entre os olhos de uma fera morta.
Nicolau Saião
silêncio
Onde está o silêncio onde jaz o silêncio?
Não neste braço sujo cortado
Não neste tapete espesso neste bloco de apontamentos
onde se cruzam insultos rimas
Não no pequeno perímetro das veias
- afinal tudo tudo entre nuvens de carbono
semelhantes a um bafo de camponês sobre a neve
onde se esmagavam insectos e excrementos de lobo.
O primo velho outrora mo ensinara num mês adolescente.
Onde em que ilha de desolação
sufocado incerto esse silêncio soberano
onde jaz cerzido por traços de faca de pedra.
Não não o barulho de um passo que caminha para a beleza dum rosto
saindo de um vazadouro para a lama musgosa da margem
Brillhante como celofane
O silencio que respira
Sim o silêncio morno de quem procura o vazio
ou de quem busca uma côr imersa na carne recordada
da mão faminta de muitos negrumes alheios
O silêncio que se recolhe
que se desdobra
que nos relembra de momentos e perdas
O silêncio que permutamos
O silêncio para além da luz entre os olhos de uma fera morta.
Nicolau Saião
prenda de Natal para a Troti*
miríade
são todos os homens a quem o tempo
a vida ou um amor varreu o siso
os homens que pedem a moeda
arriscam um café ou um cigarrinho amigo
são os paralelos de granito
desiguais e desequilibrados
de onde brilhos minerais se escapam
e arriscam o céu
como se fossem estrelas roubadas aos teus olhos
uma miríade de lágrimas quando abres as mãos
e as mostras como se estivessem vazias
Cláudia Caetano
miríade
são todos os homens a quem o tempo
a vida ou um amor varreu o siso
os homens que pedem a moeda
arriscam um café ou um cigarrinho amigo
são os paralelos de granito
desiguais e desequilibrados
de onde brilhos minerais se escapam
e arriscam o céu
como se fossem estrelas roubadas aos teus olhos
uma miríade de lágrimas quando abres as mãos
e as mostras como se estivessem vazias
Cláudia Caetano
prenda de Natal para 100Norte*
weird
move-se a sombra
e só depois o corpo
construções de silêncios
como cordéis puxando
o mundo
Sandra Costa
weird
move-se a sombra
e só depois o corpo
construções de silêncios
como cordéis puxando
o mundo
Sandra Costa
prenda de Natal para a Raquel*
sorriso
Como pode entender-se
sua firme estrutura
de momentos e coisas
para esquecer lembrar? Participa das cores
(amarelo...vermelho...)
com que o nomeiam
e também da incerteza
com que o olham. Antecipa verdades
antepõe-se a mentiras
e serve de desculpa
como serve de enleio. E faz inda esbater
o tenso o trémulo
sinal do dia
no rosto de quem já
a noite teme.
Imaterial, tão breve
e tão distante
- mas o peso de séculos
nele mora: um sorriso de quem
conhece o tempo
que pelos anos vai
com sua mágoa junta.
A voz que o justifica
sem que o encene o talhe
para que sempre exista
em toda a face humana.
Nicolau Saião
sorriso
Como pode entender-se
sua firme estrutura
de momentos e coisas
para esquecer lembrar? Participa das cores
(amarelo...vermelho...)
com que o nomeiam
e também da incerteza
com que o olham. Antecipa verdades
antepõe-se a mentiras
e serve de desculpa
como serve de enleio. E faz inda esbater
o tenso o trémulo
sinal do dia
no rosto de quem já
a noite teme.
Imaterial, tão breve
e tão distante
- mas o peso de séculos
nele mora: um sorriso de quem
conhece o tempo
que pelos anos vai
com sua mágoa junta.
A voz que o justifica
sem que o encene o talhe
para que sempre exista
em toda a face humana.
Nicolau Saião
prenda de Natal para Musas Esqueléticas*
árvores
quase o vento
quase a luz
quase os pássaros
quase um quebranto
no desfazer da tarde
quase uma silhueta
quase a solidão
Sandra Costa
árvores
quase o vento
quase a luz
quase os pássaros
quase um quebranto
no desfazer da tarde
quase uma silhueta
quase a solidão
Sandra Costa
prenda de Natal para o Mário*
granito
Um poeta pode durar sei lá 80 anos
Há mesmo alguns que duram noventa anos
Por seu turno uma mesa de madeira dessas vulgares
dessas com um tampo de tábua que as boas donas de casa procuram
sem sucesso que fiquem menos rugosas
- e de repente um rasgão de luz o perpassar duma lâmpada
um traço de vela que alguém acendeu no escuro
devolve-lhe o seu perímetro real de pinho decepado
de pobre utensílio ou de superfície usual -
Mas dizíamos nós aí vinte trinta anos
aí uns setenta se for bela usança de uma casa afastada?
Olhei e vi: um muro nem mesmo bem cuidado de
granito
(palavra que contém não apenas o simulacro exterior
de matérias geradas pelo interior da terra
mas também o que se sente ou se adivinha ou que
se desejaria fazer frutificar: e é a mancha
de qualquer líquido por exemplo a água
mas nunca azeite ou vinho ou até mesmo mercúrio
o sólido cruzando o seu contrário
enigma)
apenas pedras sobre pedras naquele campo a anoitecer.
E um arrepio correu-me dos dedos aos olhos.
E nada mais perguntei a mim mesmo.
E nada mais desde esse momento quis saber.
Disse para mim: granito.
Disse para mim: é então este o granito.
E olhei de novo em volta como se de repente
uma emoção anónima terrível singular me tivesse alcançado.
Nicolau Saião
granito
Um poeta pode durar sei lá 80 anos
Há mesmo alguns que duram noventa anos
Por seu turno uma mesa de madeira dessas vulgares
dessas com um tampo de tábua que as boas donas de casa procuram
sem sucesso que fiquem menos rugosas
- e de repente um rasgão de luz o perpassar duma lâmpada
um traço de vela que alguém acendeu no escuro
devolve-lhe o seu perímetro real de pinho decepado
de pobre utensílio ou de superfície usual -
Mas dizíamos nós aí vinte trinta anos
aí uns setenta se for bela usança de uma casa afastada?
Olhei e vi: um muro nem mesmo bem cuidado de
granito
(palavra que contém não apenas o simulacro exterior
de matérias geradas pelo interior da terra
mas também o que se sente ou se adivinha ou que
se desejaria fazer frutificar: e é a mancha
de qualquer líquido por exemplo a água
mas nunca azeite ou vinho ou até mesmo mercúrio
o sólido cruzando o seu contrário
enigma)
apenas pedras sobre pedras naquele campo a anoitecer.
E um arrepio correu-me dos dedos aos olhos.
E nada mais perguntei a mim mesmo.
E nada mais desde esse momento quis saber.
Disse para mim: granito.
Disse para mim: é então este o granito.
E olhei de novo em volta como se de repente
uma emoção anónima terrível singular me tivesse alcançado.
Nicolau Saião
prenda de Natal para M*
emovere
um afecto movido a suor
ou desejo ou vontade de
colocar no centro da vida um sentimento inteiro e daí– sempre aí
retornando que se faz rotundo o caminho–
espalhar-se por tudo em volta
– a deslocação imposta por estranhas forças centrífugas
em cada desvio de mim
uma emoção quente inquietando
Cláudia Caetano
emovere
um afecto movido a suor
ou desejo ou vontade de
colocar no centro da vida um sentimento inteiro e daí– sempre aí
retornando que se faz rotundo o caminho–
espalhar-se por tudo em volta
– a deslocação imposta por estranhas forças centrífugas
em cada desvio de mim
uma emoção quente inquietando
Cláudia Caetano
prenda de Natal para a Charlotte*
galinhola
seguir para sul se aqui de tanto inverno reinventam o norte
procurar os sítios onde se esconde o verde mais viçoso
andar na sombra de algum conforto
deixar a noite proteger ou esconder apenas
se da vida fazes segredo e do viver fazes
mistério e perigo
e qualquer coisa frágil
como o voo de muitos quilómetros
das galinholas
Cláudia Caetano
galinhola
seguir para sul se aqui de tanto inverno reinventam o norte
procurar os sítios onde se esconde o verde mais viçoso
andar na sombra de algum conforto
deixar a noite proteger ou esconder apenas
se da vida fazes segredo e do viver fazes
mistério e perigo
e qualquer coisa frágil
como o voo de muitos quilómetros
das galinholas
Cláudia Caetano