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sexta-feira, março 25, 2005

coisas desnecessárias, inúteis e patetas #5*

como o ofício de escrever:

[...]Várias vezes tenho pensado, num exercício ficcional pouco mais do que inútil, na evolução que teria sofrido a prosa de Pavese se ele tivesse entrado na segunda metade do século, se ele tivesse atravessado as décadas de cinquenta e de sessenta, essas em que a crise das formas e a renovação da linguagem foram questões determinantes. Nada disso era alheio ao autor de La Luna e i Falò, que, ao longo das quase 400 páginas do seu diário, oscila entre a introspecção e a análise literária, por vezes de cariz fragmentário. [...] Se O Ofício de Viver é um dos livros preferidos do protagonista de um romance de Thomas Bernhard, isso deve­‑se, em grande parte, ao intenso questionamento existencial que atravessa todo o livro, sempre com o presente em fundo, a dar o tom à angústia de viver. Por isso, no dia 1 de Julho de 1947, Pavese pôde escrever assim: «Em suma, porque se deseja ser grande, ser génio criador? Para a posteridade? Não. Para circular no meio da multidão e ser apontado? Não. Para apoiar a fadiga quotidiana na certeza de que tudo o que fazemos vale a pena, é algo de único. Por hoje, não pela eternidade» (p. 231).

João Paulo Sousa

[Texto completo aqui.]

quarta-feira, março 23, 2005

coisas desnecessárias, inúteis e patetas #4*

Observações

Janeiro diz-se magnólia porém, este ano, as magnólias abriram por Fevereiro dentro. As magnólias abrem e caem consoante a cor: primeiro as mais claras, no fim as mais escuras. Se não me limitasse a observar poderia construir uma teoria sobre a leveza. As magnólias brancas são tão frágeis quanto a claridade ou a solidão: sobre elas, os dias de sol foram pequenos incêndios. Se tivessem florido em Janeiro, as magnólias teriam caído todas sem que as suas folhas verdinhas aparecessem – mas Março está a terminar e as magnólias rosa-claro estão cheias de folhas e ainda em flor. As magnólias roxas abriram em Março e há uma que tem um ninho. O cheiro das magnólias é tão suave que temos sempre de nos erguer sobre as pontas dos pés para encontrarmos o desequilíbrio. Se não me limitasse a observar eu escrevia que gosto muito de magnólias. Como de coisas frágeis, coisas de partir, como de coisas efémeras mas que nos devolvem o hábito de acreditar. Na claridade ou na escuridão. Se não me limitasse a observar eu agora vinha pedir um poema novo de Tonino Guerra que nunca deve ter escrito sobre magnólias. Ter-se-á ele também limitado a observar? Na claridade ou na escuridão.


Sandra Costa

segunda-feira, março 21, 2005

coisas desnecessárias, inúteis e patetas #3*

Depois de um dia sem hipóteses de aproveitar descontos poéticos,
regressar a casa, tomar um banho e estar 30 minutos a ouvir isto.

domingo, março 20, 2005

coisas desnecessárias, inúteis e patetas #2*

La vida responsable

Conducir sin tener un accidente,
Comprar desodorante y macarrones
Y cortarles las uñas a mis hijas.
Madrugar otra vez, tener cuidado
De no decir inconveniencias, luego
Esmerarme en la prosa de unos folios
Que me importan exactamente un bledo
y darme colorete en las mejillas.
Recordar la consulta del pediatra,
Contestar el correio, tender ropa,
Declarar los ingressos, leer libros
Y hacer unas llamadas por teléfono.
Me gustaría permitirme el lujo
De tener todo el tiempo que quisiera
Para hacer un montón de cosas raras,
Cosas innecesarias, prescindibles
Y, sobre todo, inútiles y bobas.
Por ejemplo, quererte con locura.



A vida responsável

Conduzir mas sem ter um acidente,
comprar massas e desodorizantes
e cortar as unhas às minhas filhas.
Madrugar outra vez e ter cuidado
Em não dizer inconveniências,
Esmerar-me na prosa de umas folhas
E estou-me nas tintas para elas,
Retocar de vermelho cada face.
Lembrar-me da consulta ao pediatra,
Responder ao correio, estender roupa,
Declarar rendimentos, ler uns livros,
Fazer umas chamadas telefónicas.
Bem gostaria de me dar ao luxo
De ter o tempo todo que quisesse
Para fazer só coisas esquisitas,
Coisas desnecessárias, prescindíveis
E, sobretudo, inúteis e patetas.
Por exemplo, amar-te com loucura.


Amalia Bautista, Trípticos Espanhóis, vol. 3, Relógio D’Água, 2004,
Tradução de Joaquim Manuel Magalhães.


Obrigada at.

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