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sábado, junho 28, 2003

simplicidade?*

Corro atrás do vento
como se ele pudesse desbravar as manhãs
e dar-lhes uma feição subitamente renascida,

como se assim os dias ainda se pudessem aproximar da urze
que continua a nascer nas bermas do caminho
em cada regresso a casa,

como se assim a poesia ainda pudesse afastar o medo que sinto
dos lugares onde mal anoitece.

___________
Pena que este poema já tenha uns dias largos.

poets often use many many words*
Pois. Já alguém deve ter dito ou escrito que os mais belos poemas fazem-se sem palavras, ou quase. Uma poetisa de que gosto muito deu-me, recentemente, um só conselho: esforça-te por alcançar a simplicidade. Guardo-o entre os dedos, onde as palavras podem ser mais facilmente influenciadas por este espírito. Mas não é fácil.

a propósito*
da nova sala da casa, como lhe chamou a Cláudia, interpretada por Nat King Cole ou Diana Krall, Blossom Dearie ou June Christy, Sinnead O'Connor ou Tom Jones - que versão escolher?, aqui fica a letra-poema de que muito gosto:

Fly Me to The Moon (Bart Howard)

Poets often use many words
To say a simple thing.
It takes thought and time amd rhyme
To make a poem sing.

With music and words I`ve been playing
For you, I have written a song.
To be sure that you`ll know what I`m saying,
I`ll translate as I go along...

Fly me to the moon,
And let me play among the stars.
Let me see what spring is like
On Jupiter and Mars.

In other words,
Hold my hand.
In other words,
Darling, kiss me.

Fill my heart with song,
And let me sing forever more.
You are all I long for,
All I worship and adore.

In other words,
Please be true.
In other words,
I love you.

Fill my heart with song,
And let sing forever more.
You are all I long for,
All I worship and adore.

In other words
Please be true.
In other words,
I love you.


white squall,*
ou Escola de homens como lhe chamaram em português, de Ridley Scott, é um melodrama barato, copia Dead Poet's Society mas, das duas vezes que o vi, emocionou-me. Shame on me; ou não.

A Meu Favor*
A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura começa


Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca, Relógio d'Água, 1999.

fico de estômago embrulhado se penso que as coisas que hoje tenho a meu favor são, precisamente, as que maior estrago ameaçam, quando amanhã se tornarem contra mim... e é tudo uma questão de tempo, suponho. se não amanhã, um dia qualquer que se assemelhe a ausência dos olhos verdes de que faço segredos. nesse dia, contra mim, todo o verde e todos os olhos.


sexta-feira, junho 27, 2003

fly me to the moon #1

há discos que se tem de ter, forçosamente. e nem sempre é claro por que motivo uns se oferecem mais desejáveis ou mais urgentes que outros, como se nos escolhessem. o certo é que namorava este grace de jeff buckley há já muito tempo.

a gente convence-se de que é importante ouvir os clássicos (sim, um clássico), a gente entende que é preciso conhecer os paradigmas do seu tempo (sim, um paradigma) e, etapa curiosa, a gente tem de ter o troféu para a devida exposição na prateleira (sim, tenho o troféu, falta-me a prateleira e o pendor exibicionista,,, a seu tempo, que para lá caminhamos).

depois, o jeff fez tudo bem. morreu novo, como soi acontecer nestes casos, e tinha talento... é o que todos dizem, tinha talento, tinha muito. eu não sei o que é o talento, ou, pelo menos, tenho medo de dizer que alguém o tem, não vá outro alguém remeter-me à condição de pequena que lá sabe o que é o talento. o que eu sei é do como e do quanto a voz, senhores!, a sua voz, encanta.
sete originais e três versões (a primeira inspirada numa interpretação de nina simone, a segunda emprestada de leonard cohen e a última um texto do século XV musicado por sir benjamin britten) num cd que marca a ferro quente a tão curta quanto intensa e empolgante discografia de jeff buckley.

pode-se chorar a ouvi-lo, é o que dizem, é o que sei, ainda que não me tenha acontecido. o que acontece é que tenho adormecido com ele nos últimos dias. coisa notável, dada a natureza difícil do meu sono. há dois dias que me protege da insónia. e isso, se não é talento, não sei que possa ser.




...................................

ora bem, caso explicações e apresentações sejam necessárias, está feita a inauguração de mais uma sala da casa.
pouco mais haverá a dizer da música além da inevitável devoção. o resto deixa-se de bom grado aos especialistas. por isso, aqui voltaremos sempre que apetecer falar da música de que se gosta, quanto mais não seja, para dizer isso mesmo, parece-me o melhor dos motivos.


quarta-feira, junho 25, 2003

Aviz*
Francisco José Viegas escreveu um lindíssimo texto sobre Trás-os-Montes e as árvores que aí perduram rente aos muros ou à memória, depois de uma certa evocação de Roios que por aqui se escreveu. Já tinha valido a pena ir a Roios, dobrou a vontade de lá voltar. Resta-me ainda agradecer-lhe a gentileza do gesto que me esperava no mail, talvez com um poema? ou dois?!

Palavras

Encontrei nas palavras
uma disponibilidade para o possível
que comparo à longevidade
das pedras e à visível consciência
das árvores.

Um olmo dança nas tardes magoadas
de Setembro sobre fragas tão lisas como
a solidão.

Ao entardecer, os poemas morrem de
realidade.




O negrilho de Torga.

dualidades mínimas #4

a janela entre o olhar
e a luz soprando a rua

o corpo num verão emparedado


terça-feira, junho 24, 2003

... do jardim*
outro jardim. fala-se de jacinta no palco do jardim público de évora, na próxima sexta-feira dia 27, às 21:30. se isto não chegar, digo ainda que se fará acompanhar da orquestra metropolitana de lisboa. ainda um rebuçado, a entrada é livre. pecado faltar.

dualidades mínimas #3

O efeito do silêncio
no tecto da casa é o desabar
de todas as certezas.


noites do Palácio*
Não sei se será a primeira noite do Palácio da temporada 2003, mas na quinta-feira, 26 de Junho, pelas 22:30, Ney vai interpretar Cartola, nos jardins do Palácio de Cristal. A não perder.

lugar*
nasci no sofá velho de napa, onde já um buraco, que ainda só furo, segreda rasgão, enquanto a tua voz e nela a sugestão de um encontro amanhã - que nem sei se desejo, que não sei senão esperar -, como tantas vezes nasço em qualquer sítio. como em tantas horas.
descobre-se, a partir de algum momento consciente, que o parto implica dor também para quem nasce. e sempre, depois da primeira vez,o aturdido espanto de não se saber do quê, exactamente, ou de onde.


segunda-feira, junho 23, 2003

explicação*

Exlicar a manhã
é anular-lhe a luz

e apagar todo o silêncio
que existe na poesia.


chegando a casa*
no desejo profundo e intenso de que, agora a duas vozes, o actual equilíbrio, que tantas vezes se quer precário - pelo simples encanto que detêm as coisas frágeis -, não seja mais do que vagamante abalado... e entanto, no desejo do tornado se preciso for.
tão grata pelo porto, não!, melhor, tecto que aqui se me oferece. tão certa do conforto que, aqui chegada, me oferece a surdina e o tempo tal como o reconheço.


tempo dual*
tempo dual passou a ter outro significado. Escreve-se agora a duas vozes. A Cláudia Caetano junta-se a mim e a surdina será mais bela. Sê bem vinda clAud.

simplicidade*
«Porque as coisas perfeitas em poesia não parecem estranhas; parecem inevitáveis.» (Jorge Luís Borges, Este ofício de poeta, Teorema, 2002)

manhã*
A janela aberta do pseudo escritório, o tom cinzento da manhã entrecortado pelos pássaros que não deixam de cantar, o musgo no tronco das árvores do largo, um carro que passa, um telefone que toca.

Eu também vivo numa aldeia, quase. Então, porque me espantei com Roios?!


domingo, junho 22, 2003

vento*
... para o Espigas pela gentil referência.

Vento

As palavras
cintilam
na floresta do sono
e o seu rumor
de corças perseguidas
ágil e esquivo
como o vento
fala de amor
e solidão:
quem vos ferir
não fere em vão,
palavras.

Carlos de Oliveira, A leve têmpera do vento, Quasi, 2001


ainda Roios*
Roios é também Torga, mesmo sem saber se Torga conheceu Roios. Mas havia olmos e os olmos serão sempre o Negrilho de Torga.

A um Negrilho

Na terra onde nasci há um só poeta.
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.

Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!

Miguel Torga, Antologia Poética, Círculo de Leitores, 2001


solstício*

Só há pouco reparei que senti
a noite mais noite da minha vida,
no maior dia do ano.
Sempre desatenta.


o patim da Aurora*
Roios é um outro mundo. Provavelmente, todas as aldeias que ainda resistem o são mas Roios foi a primeira que conheci sem ser de passagem. As ruas estreitas, as casas muito próximas, os patins das casas a fazerem antever o infinito das paisagens, os reencontros e as memórias que têm o tempo dos afectos, o estranho que logo deixa de o ser e tem a porta sempre aberta, os jovens que não são assim tão poucos, os velhos que não esquecem, a noite de S. João no largo da Igreja onde quase toda a aldeia acorre, a música e a alegria. Não recordo uma cara triste ou sisuda ou zangada. E uma certa sensação a liberdade que fica depois de tudo isto. Como se não importasse a ausência de certas coisas que temos como certas, neste outro mundo onde vivemos. Provavelmente importam mas qualquer um sucumbe à  doçura da Aurora, no seu patim, a meio da noite, a contar-nos da imensa tristeza que sentiu quando construiram a casa em frente e lhe tiraram a imensidão do olhar. Mas ainda ficou esta nesga, sorriu ela, resignada, nos seus pequeninos oitenta e nove anos.

Roios é um outro tempo também, onde as serenatas ainda perduram na ponta dos dedos.


no regresso de Roios*
..., em direcção ao IP4, por estradas secundárias, entre as fragas e o cheiro da noite, parar o carro numa reentrância qualquer junto à  berma, apagar as luzes e sair.

Nunca a noite tinha sido tão noite.
Uma tal sensação de escuridão e silêncio
que quase senti vertigens
ao olhar em redor de mim,
como se pela primeira vez realmente
olhasse em redor de mim.

E o mundo todo ali,
infinito como a escuridão,
quase impassível como as estrelas,
não brilhassem elas ainda mais
e um grilo não desobedecesse
ao silêncio.


Não há experiência igual. Obrigada F.

Roios*


Ontem, a 3 kms de Vila Flor,
um outro mundo - entre a aveia brava
e a noite escura.


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