sábado, abril 24, 2004
prescrição*
p.s. - tentar-se-á cumprir Abril a tempo,
ainda que isso não seja importante.
p.s. - tentar-se-á cumprir Abril a tempo,
ainda que isso não seja importante.
Abril #24*
Preâmbulo
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa.
ARTIGO 1.°
(República Portuguesa)
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.
[...]
Constituição de 1976
Preâmbulo
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa.
ARTIGO 1.°
(República Portuguesa)
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.
[...]
Constituição de 1976
A quatro tempos*
3.
A matéria, agora, é feita de consciência. Existe em mim a luz do meio dia como se eu fosse um terraço grego à beira do azul, os elementos todos conjugados com a língua sem que as palavras sejam necessárias – um hino de seixos sustidos e depois dispersados pelas sarças – e existem em mim as flores, as abelhas, o mel, o paladar do amor dentro do silêncio, o regozijo fértil das planícies se depois do desejo branco derramado o corpo caminha descalço desbotado debaixo do sol.
O homem levantou-se. Não sacudiu o pó da roupa nem olhou de forma prolongada o que se havia transformado na paisagem, sabia que as aparências abundavam à superfície das coisas, assim mesmo como numa redundância, e que tudo o fora feito e o que havia ainda a fazer eram só uma fórmula fácil de dizer o mundo e de morrer mais devagar. Pegou no cantil para preparar a sede e no livro para guardar o cansaço, tudo o que ali era importante colocado ao mesmo nível dos pés como uma intenção sagrada ou a certeza de que não se pode respirar junto às árvores de cheiro sem um poema ou a imaginação. A mulher existente estava agora de costas, com as nuvens como sombras ou as sombras como nuvens à altura do olhar indisponível. Pela primeira vez, o homem não soube o que dizer.
– Aqui estou eu a descrever o que é próprio do mundo e das naturezas mortas, o que é próprio dos animais sedentos e das vigílias que crescem junto aos abismos como flores silvestres, o que é próprio dos ritos e dos risos, o que é próprio dos deuses dobrados ou dobados em filigrana e das embalagens fora de prazo e do amor comovido como um sopro sobre o ombro e das estátuas sem o medo.
[continua]
3.
A matéria, agora, é feita de consciência. Existe em mim a luz do meio dia como se eu fosse um terraço grego à beira do azul, os elementos todos conjugados com a língua sem que as palavras sejam necessárias – um hino de seixos sustidos e depois dispersados pelas sarças – e existem em mim as flores, as abelhas, o mel, o paladar do amor dentro do silêncio, o regozijo fértil das planícies se depois do desejo branco derramado o corpo caminha descalço desbotado debaixo do sol.
O homem levantou-se. Não sacudiu o pó da roupa nem olhou de forma prolongada o que se havia transformado na paisagem, sabia que as aparências abundavam à superfície das coisas, assim mesmo como numa redundância, e que tudo o fora feito e o que havia ainda a fazer eram só uma fórmula fácil de dizer o mundo e de morrer mais devagar. Pegou no cantil para preparar a sede e no livro para guardar o cansaço, tudo o que ali era importante colocado ao mesmo nível dos pés como uma intenção sagrada ou a certeza de que não se pode respirar junto às árvores de cheiro sem um poema ou a imaginação. A mulher existente estava agora de costas, com as nuvens como sombras ou as sombras como nuvens à altura do olhar indisponível. Pela primeira vez, o homem não soube o que dizer.
– Aqui estou eu a descrever o que é próprio do mundo e das naturezas mortas, o que é próprio dos animais sedentos e das vigílias que crescem junto aos abismos como flores silvestres, o que é próprio dos ritos e dos risos, o que é próprio dos deuses dobrados ou dobados em filigrana e das embalagens fora de prazo e do amor comovido como um sopro sobre o ombro e das estátuas sem o medo.
[continua]
sexta-feira, abril 23, 2004
fly me to the moon #8
Finalmente.
Dizem-me que gling-gló quer dizer tique-taque...
Gling-Gló, Björk Gudmundsdottir & trio Gudmundar Ingólfssonar
Finalmente.
Dizem-me que gling-gló quer dizer tique-taque...
Gling-Gló, Björk Gudmundsdottir & trio Gudmundar Ingólfssonar
fulutchin em coimbra*
Já aqui há uns tempos falei deles. Não terá sido por falta de pretexto que o não fiz mais vezes, mas antes a preguiça ou o atraso.
Para quem está em Coimbra, é esta a oportunidade de ficar a conhecer, ou até rever, os Fulutchin. Os rapazes estarão hoje no Jazz Ao Centro Clube.
Já dei a saber do quanto gosto do que fazem, pelo que desta vez limito-me à nota informativa, lembrando que, porra!, gosto mesmo do que eles fazem.
Já aqui há uns tempos falei deles. Não terá sido por falta de pretexto que o não fiz mais vezes, mas antes a preguiça ou o atraso.
Para quem está em Coimbra, é esta a oportunidade de ficar a conhecer, ou até rever, os Fulutchin. Os rapazes estarão hoje no Jazz Ao Centro Clube.
Já dei a saber do quanto gosto do que fazem, pelo que desta vez limito-me à nota informativa, lembrando que, porra!, gosto mesmo do que eles fazem.
Abril #23*
Não há machado que corte
a raiz ao pensamento
não há morte para o vento
não há morte.
Se ao morrer o coração
morresse a luz que lhe é querida,
sem razão seria a vida,
sem razão.
Nada apaga a luz que vive
num amor, num pensamento,
porque é livre como o vento,
porque é livre.
Carlos de Oliveira
Não há machado que corte
a raiz ao pensamento
não há morte para o vento
não há morte.
Se ao morrer o coração
morresse a luz que lhe é querida,
sem razão seria a vida,
sem razão.
Nada apaga a luz que vive
num amor, num pensamento,
porque é livre como o vento,
porque é livre.
Carlos de Oliveira
quinta-feira, abril 22, 2004
Abril #22*
Mais uma vez se comemora Abril, mas sob auspícios absolutamente inquietantes tanto a nível civil, quotidiano e sem ouropéis, como a nível das chamadas forças vivas e que se traduzem, na estrutura da Nação, pelos perfis das mais altas encarnações do Estado. Assim, por exemplo, o poder judicial está hoje completamente desqualificado, é uma instância eticamente desprestigiada onde se exercem, de acordo com relatos dos media, ignominiosas parcialidades e um desleixo inqualificável, mau grado o esforço de próceres seus – onde se contam magistrados dignos e juristas operosos, não esquecendo os trabalhadores que o quantificam a nível do labor prático – cuja acção não é contudo de molde a inflectir ou erradicar decisivamente a maleita.
Nesta perspectiva, tal como já tive ensejo de o fazer anteriormente, digo que é preciso, é imprescindível que o povo, por sua acção in loco ou mediante os seus representantes directos, desmantele e revivifique este sector, que é hoje por hoje o cancro que está a destruir a Democracia que o 25 de Abril instaurou.
Depois, no campo da política prática, é necessário acentuar que existem não eleitos cujo poder se sobrepõe aos que o povo escolheu: argentários poderosos que tripudiam sobre o corpo do País; gente colocada em lugares chave que exorbita e abusa do poder indefinido que lhe foi conferido; membros de forças de segurança que tratam o cidadão com uma inqualificável arrogância, servindo-se do estatuto próprio para estabelecerem confusos tratos onde avulta o desprezo pelos direitos do homem comum.
No sector da governação, há autarcas que deitam às urtigas os mais simples deveres e obrigações que conformam uma inter-relação democrática com os alvos da sua acção, ou ministros que deliberadamente faltam à verdade civil através de actos de extracção canhestra, traço a grosso de uma comodidade que não condiz com a democracia. Ou se anulam – para se elevarem ardilosamente.
As Forças Armadas, que devem ser o garante da independência nacional, vêem-se por seu turno sustidas em limites estreitos, como se fossem algo que há que nivelar por baixo e colocar sob a tutela de virtuais comissários.
Não há portanto muitas razões para, nesta data que ajudámos a existir, nos felicitarmos pelo estado da Nação. Que no entanto está ligada, por convénios livremente assinados e garantidos amplamente, às demais nações que com ela estruturam um bloco e uma rota.
Abril adormecido…
Mais lhe chamaria Abril que, ferido por desvigamentos intoleráveis, há que vivificar e recolocar sob a égide da dignidade - da verdadeira dignidade e da esperança.
Pois a tudo isso temos direito. Porque é isso que de facto poderá configurar o nosso rosto inteiro e lídimo de portugueses.
Nicolau Saião
Mais uma vez se comemora Abril, mas sob auspícios absolutamente inquietantes tanto a nível civil, quotidiano e sem ouropéis, como a nível das chamadas forças vivas e que se traduzem, na estrutura da Nação, pelos perfis das mais altas encarnações do Estado. Assim, por exemplo, o poder judicial está hoje completamente desqualificado, é uma instância eticamente desprestigiada onde se exercem, de acordo com relatos dos media, ignominiosas parcialidades e um desleixo inqualificável, mau grado o esforço de próceres seus – onde se contam magistrados dignos e juristas operosos, não esquecendo os trabalhadores que o quantificam a nível do labor prático – cuja acção não é contudo de molde a inflectir ou erradicar decisivamente a maleita.
Nesta perspectiva, tal como já tive ensejo de o fazer anteriormente, digo que é preciso, é imprescindível que o povo, por sua acção in loco ou mediante os seus representantes directos, desmantele e revivifique este sector, que é hoje por hoje o cancro que está a destruir a Democracia que o 25 de Abril instaurou.
Depois, no campo da política prática, é necessário acentuar que existem não eleitos cujo poder se sobrepõe aos que o povo escolheu: argentários poderosos que tripudiam sobre o corpo do País; gente colocada em lugares chave que exorbita e abusa do poder indefinido que lhe foi conferido; membros de forças de segurança que tratam o cidadão com uma inqualificável arrogância, servindo-se do estatuto próprio para estabelecerem confusos tratos onde avulta o desprezo pelos direitos do homem comum.
No sector da governação, há autarcas que deitam às urtigas os mais simples deveres e obrigações que conformam uma inter-relação democrática com os alvos da sua acção, ou ministros que deliberadamente faltam à verdade civil através de actos de extracção canhestra, traço a grosso de uma comodidade que não condiz com a democracia. Ou se anulam – para se elevarem ardilosamente.
As Forças Armadas, que devem ser o garante da independência nacional, vêem-se por seu turno sustidas em limites estreitos, como se fossem algo que há que nivelar por baixo e colocar sob a tutela de virtuais comissários.
Não há portanto muitas razões para, nesta data que ajudámos a existir, nos felicitarmos pelo estado da Nação. Que no entanto está ligada, por convénios livremente assinados e garantidos amplamente, às demais nações que com ela estruturam um bloco e uma rota.
Abril adormecido…
Mais lhe chamaria Abril que, ferido por desvigamentos intoleráveis, há que vivificar e recolocar sob a égide da dignidade - da verdadeira dignidade e da esperança.
Pois a tudo isso temos direito. Porque é isso que de facto poderá configurar o nosso rosto inteiro e lídimo de portugueses.
Nicolau Saião
quarta-feira, abril 21, 2004
Abril #21*
Nasci em Maio, o mês das rosas, diz-se. Talvez por isso eu fiz da rosa a minha flor, um símbolo, uma espécie de bandeira para mim mesmo.
E todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, no dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã (que foi a hora em que eu nasci), a minha mãe abria a porta do meu quarto, acordava-me com um beijo e colocava numa jarra um ramo de rosas vermelhas, sem palavras. Só as suas mãos, compondo as rosas, oficiavam nesse estranho silêncio cheio de ritos e ternura.
Nesse tempo o Sol nascia exactamente no meu quarto. Eu abria a janela. Em frente era o largo, a velha árvore do largo dos ciganos. Quando chegava o mês de Maio, eu abria a janela e ficava bêbado desse cheiro a fogueiras, carroças e ciganos. E respirava o ar de todas as viagens, da minha janela, capital do mundo, debruçado sobre o largo onde começavam todos os caminhos.
E tudo estava certo, nesse tempo, ou, pelo menos, nada tinha o sabor do irremediável. Nem mesmo a morte da minha tia. Por muito tempo ela ficou nos retratos e no jardim, bordando à sombra das magnólias, andando pela casa nos pequenos ruídos do dia-a-dia, até que, pouco a pouco, se foi confundindo com as muitas ausências que vinham sentar-se na cadeira, onde, dantes, minha tia se sentava.
E eu dormia poisado sobre a eternidade, como se tudo estivesse certo para sempre, eu dormia com muitos olhos, muitos gestos vigilantes sobre o meu sono. Por vezes tinha pesadelos, acordava, inquieto, a meio da noite, qualquer coisa parecia querer despedaçar-se e então exclamava:
- Mãe!
E logo essa voz, tão calma, entrava dentro de mim, mandava embora os fantasmas, e era de novo o meu quarto, a doce quentura da minha casa no cimo da ternura.
Não havia polícia nesse tempo. Ninguém roubaria a tranquilidade do meu sono, ninguém viria a meio da noite para me levar, porque bastava eu chamar:
- Mãe!
E logo uma voz, tão calma, mandava embora os fantasmas. E era a paz, nesse tempo, em que todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, o dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã, a minha mãe abria a porta do meu quarto e colocava, religiosamente, um ramo de rosas vermelhas sobre a minha vida, nesse tempo, em que dormir, acordar, nascer, crescer, viver, morrer, eram um rito no rito das estações.
Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Por vezes, a meio da noite, um grito abalava as traves da minha cabeça, direi mesmo da minha vida, e eu acordava suado, dolorido, como se um rato (talvez o medo?) me roesse o estômago. E era inútil chamar. Onde ficara essa voz que dantes vinha repor o sono no seu lugar, repondo a paz dentro de mim? E as manhãs penduradas no mês de Maio, onde acordar era uma festa? Onde ficara a ternura? Onde ficara a minha vida?
Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Dormia – como direi? – acordado sobre cada minuto. Tinha aprendido o irremediável. Alguma coisa, dentro de mim, se despedaçara para sempre (para sempre? Que quer dizer para sempre?). Era inútil chamar. Tinha aprendido, fisicamente, a solidão. Embora na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse, como se fosse a voz longínqua do meu povo:
- Coragem!
Eu estava, pela primeira vez, fisicamente só, dentro do meu sono povoado por esse grito que estalava por vezes as traves da minha cabeça (onde essa voz que mandava embora os fantasmas?).
E era terrível essa manhã sem manhã, essa realidade branca e gelada, toda feita de paredes, grades, perguntas, gritos. Mesmo que na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse:
- Bom dia!
era terrível acordar nessa estreita paisagem com sete passos de comprimento por sete de largura, tão hostil, tão dolorosa como as regiões dos pesadelos. Porque acordar era ter a certeza de que a realidade não desmentiria o pesadelo.
Mesmo que os meus dedos batendo na parede transmitissem notícias dum homem que podia responder:
- Bom dia!
de cabeça erguida era terrível acordar no mês de Maio, com a certeza de que no dia 12 a minha mãe não entraria pelo meu quarto, deixando-me na fronte um beijo, e rosas vermelhas sobre os meus vinte e sete anos.
Talvez seja preciso renunciar à felicidade para conquistar a felicidade. Eu estava na cadeia em Maio de 1963. Tinha aprendido a solidão. Tinha aprendido que se pode gritar com todas as nossas forças quando se acorda a meio da noite com um grito na cabeça e um rato (talvez o medo?), roendo-nos o estômago, que ninguém, ninguém virá repor a paz dentro de nós. E, então, é a altura de saber se as traves mestras dum homem resistirão. Pois só a tua voz, amigo, responderá ao teu apelo torturado na noite. E, nessa hora (a mais solitária das horas), se conseguires cerrar os dentes, dar um murro na parede, acender um cigarro, se conseguires vencer esse encontro com a solidão no mais fundo de ti próprio, com que alegria, com que estranha alegria, na manhã seguinte, tu responderás:
- Bom dia!,
mesmo que seja terrível acordar no mês de Maio, nessa estreita paisagem, gelada e branca, com sete passos de comprimento por sete de largura.
É certo que se podem escolher outros caminhos. Mas poderia eu ter escolhido outro caminho? Acaso poderia dormir descansado, onde quer que estivesse, sabendo que algures, na noite, há homens que batem, há homens que gritam?
Os fantasmas tinham entrado no meu sono, invadiram a minha casa no cimo da ternura; os fantasmas eram donos do País. E se eles viessem de repente, a meio da noite, e eu chamasse:
- Mãe!
A voz (tão calma) de minha mãe já nada poderia contra eles. Era um trabalho para mim, uma tarefa para todos aqueles que não podem suportar a sujeição. Eu nunca pude suportar a sujeição. Acaso poderia ter escolhido outro caminho?
Por isso, em Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto.
No dia 12 não acordei com o beijo de minha mãe.
Porém, nessa manhã (não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez – quem sabe? -, às dez e um quarto, que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas que vinham dentro do sobrescrito violado, a pétala vermelha, duma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela.
Manuel Alegre, in Praça da Canção
________________
Rosas vermelhas, brilhantemente lido, hoje, na Escola Secundária de Vilela perante uma sala repleta de alunos, professores e um militar de Abril.
Nasci em Maio, o mês das rosas, diz-se. Talvez por isso eu fiz da rosa a minha flor, um símbolo, uma espécie de bandeira para mim mesmo.
E todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, no dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã (que foi a hora em que eu nasci), a minha mãe abria a porta do meu quarto, acordava-me com um beijo e colocava numa jarra um ramo de rosas vermelhas, sem palavras. Só as suas mãos, compondo as rosas, oficiavam nesse estranho silêncio cheio de ritos e ternura.
Nesse tempo o Sol nascia exactamente no meu quarto. Eu abria a janela. Em frente era o largo, a velha árvore do largo dos ciganos. Quando chegava o mês de Maio, eu abria a janela e ficava bêbado desse cheiro a fogueiras, carroças e ciganos. E respirava o ar de todas as viagens, da minha janela, capital do mundo, debruçado sobre o largo onde começavam todos os caminhos.
E tudo estava certo, nesse tempo, ou, pelo menos, nada tinha o sabor do irremediável. Nem mesmo a morte da minha tia. Por muito tempo ela ficou nos retratos e no jardim, bordando à sombra das magnólias, andando pela casa nos pequenos ruídos do dia-a-dia, até que, pouco a pouco, se foi confundindo com as muitas ausências que vinham sentar-se na cadeira, onde, dantes, minha tia se sentava.
E eu dormia poisado sobre a eternidade, como se tudo estivesse certo para sempre, eu dormia com muitos olhos, muitos gestos vigilantes sobre o meu sono. Por vezes tinha pesadelos, acordava, inquieto, a meio da noite, qualquer coisa parecia querer despedaçar-se e então exclamava:
- Mãe!
E logo essa voz, tão calma, entrava dentro de mim, mandava embora os fantasmas, e era de novo o meu quarto, a doce quentura da minha casa no cimo da ternura.
Não havia polícia nesse tempo. Ninguém roubaria a tranquilidade do meu sono, ninguém viria a meio da noite para me levar, porque bastava eu chamar:
- Mãe!
E logo uma voz, tão calma, mandava embora os fantasmas. E era a paz, nesse tempo, em que todos os anos, quando chegava o mês de Maio, ou mais exactamente, o dia 12 de Maio, às dez e um quarto da manhã, a minha mãe abria a porta do meu quarto e colocava, religiosamente, um ramo de rosas vermelhas sobre a minha vida, nesse tempo, em que dormir, acordar, nascer, crescer, viver, morrer, eram um rito no rito das estações.
Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Por vezes, a meio da noite, um grito abalava as traves da minha cabeça, direi mesmo da minha vida, e eu acordava suado, dolorido, como se um rato (talvez o medo?) me roesse o estômago. E era inútil chamar. Onde ficara essa voz que dantes vinha repor o sono no seu lugar, repondo a paz dentro de mim? E as manhãs penduradas no mês de Maio, onde acordar era uma festa? Onde ficara a ternura? Onde ficara a minha vida?
Em Maio de 1963 eu estava na cadeia. Dormia – como direi? – acordado sobre cada minuto. Tinha aprendido o irremediável. Alguma coisa, dentro de mim, se despedaçara para sempre (para sempre? Que quer dizer para sempre?). Era inútil chamar. Tinha aprendido, fisicamente, a solidão. Embora na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse, como se fosse a voz longínqua do meu povo:
- Coragem!
Eu estava, pela primeira vez, fisicamente só, dentro do meu sono povoado por esse grito que estalava por vezes as traves da minha cabeça (onde essa voz que mandava embora os fantasmas?).
E era terrível essa manhã sem manhã, essa realidade branca e gelada, toda feita de paredes, grades, perguntas, gritos. Mesmo que na cela do lado, alguém, batendo com os dedos na parede, me dissesse:
- Bom dia!
era terrível acordar nessa estreita paisagem com sete passos de comprimento por sete de largura, tão hostil, tão dolorosa como as regiões dos pesadelos. Porque acordar era ter a certeza de que a realidade não desmentiria o pesadelo.
Mesmo que os meus dedos batendo na parede transmitissem notícias dum homem que podia responder:
- Bom dia!
de cabeça erguida era terrível acordar no mês de Maio, com a certeza de que no dia 12 a minha mãe não entraria pelo meu quarto, deixando-me na fronte um beijo, e rosas vermelhas sobre os meus vinte e sete anos.
Talvez seja preciso renunciar à felicidade para conquistar a felicidade. Eu estava na cadeia em Maio de 1963. Tinha aprendido a solidão. Tinha aprendido que se pode gritar com todas as nossas forças quando se acorda a meio da noite com um grito na cabeça e um rato (talvez o medo?), roendo-nos o estômago, que ninguém, ninguém virá repor a paz dentro de nós. E, então, é a altura de saber se as traves mestras dum homem resistirão. Pois só a tua voz, amigo, responderá ao teu apelo torturado na noite. E, nessa hora (a mais solitária das horas), se conseguires cerrar os dentes, dar um murro na parede, acender um cigarro, se conseguires vencer esse encontro com a solidão no mais fundo de ti próprio, com que alegria, com que estranha alegria, na manhã seguinte, tu responderás:
- Bom dia!,
mesmo que seja terrível acordar no mês de Maio, nessa estreita paisagem, gelada e branca, com sete passos de comprimento por sete de largura.
É certo que se podem escolher outros caminhos. Mas poderia eu ter escolhido outro caminho? Acaso poderia dormir descansado, onde quer que estivesse, sabendo que algures, na noite, há homens que batem, há homens que gritam?
Os fantasmas tinham entrado no meu sono, invadiram a minha casa no cimo da ternura; os fantasmas eram donos do País. E se eles viessem de repente, a meio da noite, e eu chamasse:
- Mãe!
A voz (tão calma) de minha mãe já nada poderia contra eles. Era um trabalho para mim, uma tarefa para todos aqueles que não podem suportar a sujeição. Eu nunca pude suportar a sujeição. Acaso poderia ter escolhido outro caminho?
Por isso, em Maio de 1963, eu estava na cadeia, isto é, de certo modo, eu estava no meu posto.
No dia 12 não acordei com o beijo de minha mãe.
Porém, nessa manhã (não posso dizer ao certo porque não tinha relógio, mas talvez – quem sabe? -, às dez e um quarto, que foi a hora em que eu nasci), o carcereiro abriu a porta e entregou-me, já aberta, uma carta de minha mãe. E ao desdobrar as folhas que vinham dentro do sobrescrito violado, a pétala vermelha, duma rosa vermelha, caiu, como uma lágrima de sangue, no chão da minha cela.
Manuel Alegre, in Praça da Canção
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Rosas vermelhas, brilhantemente lido, hoje, na Escola Secundária de Vilela perante uma sala repleta de alunos, professores e um militar de Abril.
dualidades mínimas #42
não importa a assimetria do rosto
se as tuas mãos me devolvem a perfeição
a beleza é quando me tocas
cláudia caetano
não importa a assimetria do rosto
se as tuas mãos me devolvem a perfeição
a beleza é quando me tocas
cláudia caetano
terça-feira, abril 20, 2004
Abril #20*
Cartaz 25 de Abril, Editor: PCP
Orvalho de Abril
ao Nicolau Saião
As paveias de abraços continuam
enchendo as eiras de fulgor e canto?
E na extensão dos olhos repercute-se
ainda o voltejar da voz da esp’rança?
Demolem-se ferezas e quebrantos,
acendem-se outros sóis na noite escura?
E nos dedos fechados cravos rubros
permanecem erguidos vicejantes?
Que elegia de fel profana impura
a fé que alimentou o fogo e a chama?
António Salvado in Na Liberdade,
antologia a lançar durante as comemorações do 25 de Abril
com a chancela de “Garça Editores” (Peso da Régua)
Cartaz 25 de Abril, Editor: PCP
Orvalho de Abril
ao Nicolau Saião
As paveias de abraços continuam
enchendo as eiras de fulgor e canto?
E na extensão dos olhos repercute-se
ainda o voltejar da voz da esp’rança?
Demolem-se ferezas e quebrantos,
acendem-se outros sóis na noite escura?
E nos dedos fechados cravos rubros
permanecem erguidos vicejantes?
Que elegia de fel profana impura
a fé que alimentou o fogo e a chama?
António Salvado in Na Liberdade,
antologia a lançar durante as comemorações do 25 de Abril
com a chancela de “Garça Editores” (Peso da Régua)
playtime*
De facto, era uma imbecilidade não ir ver este filme.
E os meninos também foram. Excelente.
De facto, era uma imbecilidade não ir ver este filme.
E os meninos também foram. Excelente.
Eco de sombras [playing]*
Los amantes
Mientras caminas
por bosques y parques
sólo por besar tus pies
el otoño desnuda sus árboles
sólo por besar tus pies.
El te ama como yo
con ojos infinitos
y como yo
también quisiera
desnudarte de otoño.
Nosotros los amantes
sobre nosotros
la lluvia y el amor
la lluvia sin cesar
sin cesar el amor
sobre nosotros
la lluvia que como el amor
humedece a los amantes.
Poema de Arturo Corcuera
Música de Juan L. Pereira
Adaptado por Susana Baca
Los amantes
Mientras caminas
por bosques y parques
sólo por besar tus pies
el otoño desnuda sus árboles
sólo por besar tus pies.
El te ama como yo
con ojos infinitos
y como yo
también quisiera
desnudarte de otoño.
Nosotros los amantes
sobre nosotros
la lluvia y el amor
la lluvia sin cesar
sin cesar el amor
sobre nosotros
la lluvia que como el amor
humedece a los amantes.
Poema de Arturo Corcuera
Música de Juan L. Pereira
Adaptado por Susana Baca
segunda-feira, abril 19, 2004
eros #8
Fancis Bacon
espreitar-te sem roupas agachando vergonhas
a pele denunciando um frio de muitos invernos
a cabeça caindo apenas para que te veja bem todo o pescoço
porque não haverá outro motivo para aí estares
em desprevenida nudez
que não seja o de desesperar em mim a mão no
sentido de erguer o teu queixo e espreitar-te
o resto
cláudia caetano
Fancis Bacon
espreitar-te sem roupas agachando vergonhas
a pele denunciando um frio de muitos invernos
a cabeça caindo apenas para que te veja bem todo o pescoço
porque não haverá outro motivo para aí estares
em desprevenida nudez
que não seja o de desesperar em mim a mão no
sentido de erguer o teu queixo e espreitar-te
o resto
cláudia caetano
A quatro tempos*
2.
Com rigor, não ouso este outro lugar sem o desequilíbrio dos telhados pensado o primeiro raio de sol ou sem a inocência perdida das fontes se levo a água ao rosto ainda os olhos na solidão. Sob as nuvens que tremem do lado do avesso aguardo a passagem do sul, as omoplatas nuas fincadas na espera.
Por perto, havia cerejeiras em flor e um cartaz sobre um cão perdido. O homem juntou estas duas circunstâncias e murmurou uma oração desconhecida: haveria de chegar a uma paisagem onde uma sombra fosse uma sombra e a luz distante só a luz distante, nem um grito a mais dentro ou para além da escuridão. Mas, sem dar conta que se aproximara, já a figura dela alterava o sentido das coisas ditas como num poema e o que ainda agora se assemelhava a um desígnio depressa voltou a ser proferido como um regresso.
– Saberei recusar o silêncio quando for meu o ofício de alcançar as margens? Já perdi o medo de nomear as pequenas imobilidades que me ligam ao mundo mas será sempre com espanto que detecto a queda dos frutos sobre a terra, como se no princípio não houvesse verbo. No entanto, comove-me o que é atributo de uma só estação, apodreçam as cores com o frio, e isso aproxima-me de um sol já esquecido.
[continua]
2.
Com rigor, não ouso este outro lugar sem o desequilíbrio dos telhados pensado o primeiro raio de sol ou sem a inocência perdida das fontes se levo a água ao rosto ainda os olhos na solidão. Sob as nuvens que tremem do lado do avesso aguardo a passagem do sul, as omoplatas nuas fincadas na espera.
Por perto, havia cerejeiras em flor e um cartaz sobre um cão perdido. O homem juntou estas duas circunstâncias e murmurou uma oração desconhecida: haveria de chegar a uma paisagem onde uma sombra fosse uma sombra e a luz distante só a luz distante, nem um grito a mais dentro ou para além da escuridão. Mas, sem dar conta que se aproximara, já a figura dela alterava o sentido das coisas ditas como num poema e o que ainda agora se assemelhava a um desígnio depressa voltou a ser proferido como um regresso.
– Saberei recusar o silêncio quando for meu o ofício de alcançar as margens? Já perdi o medo de nomear as pequenas imobilidades que me ligam ao mundo mas será sempre com espanto que detecto a queda dos frutos sobre a terra, como se no princípio não houvesse verbo. No entanto, comove-me o que é atributo de uma só estação, apodreçam as cores com o frio, e isso aproxima-me de um sol já esquecido.
[continua]
Abril #19*
Atreve-te a julgar. Julga os outros julgando a ti mesmo.
A natureza das coisas é a tua natureza. Respira-te, despe-te,
faz amor com as tuas convicções, não te limites a sorrir
quando não sabes mais o que dizer. Os teus dentes
estão lavados, as tuas mãos são amáveis mas falta-te
decisão nos passos e firmeza nos gestos.
Procura-te. Procura encontrar-te antes que te agarre a voracidade do tempo.
Faz as coisas com paixão. Uma paixão irrequieta que não te dê descanso
e te faça doer a respiração. Aspira o ar, bebe-o com força, é teu, nem um cêntimo pagarás por ele.
Quanto deves é à vida, o que deves é a ti mesmo. Canta.
Canta a água e a montana e o pescoço do rio,
e o beijo que deste e o beijo que darás, canta
o trabalho doce da abelha e a paciência com que crescem as árvores,
canta cada momento que partilhas com amigos, e cada amigo
como um astro que desponta no firmamento breve do teu corpo.
E canta o amor. E canta tudo o que tiveres razão para cantar.
E o que não souberes e o que não entenderes, canta.
Não fujas da alegria. A própria dor ajuda-te a medir
a felicidade. Carrega nos teus ombros os séculos passados e os séculos vindouros,
muito do pó que sacodes já foi vida, talvez beleza, orgulho, pedaços de prazer.
A estrela que contemplas talvez já não exista, quem sabe,
o que te ajudou a ser vida de quantas vidas precisou. Canta!
Se sentires medo, canta. Mas se em ti nou couber a alegria, não pares de cantar.
Canta. Canta. Canta. Canta. Canta. Constrói o teu amor, vive o teu amor,
ama o teu amor. De tudo o que as pessoas querem, o que mais querem é o amor.
Sem ele, nada nunca foi ugual, nada é igual, nada será igual alguma vez.
Canta. Enquanto esperas, canta.
Canta quando não quiseres esperar.
Canta se não encontrares mais esperança. E canta quando a esperança te encontrar.
Canta porque te apetece cantar e porque gostas de cantar e porque sentes que é preciso cantar.
E canta quando já não for preciso. Canta porque és livre.
E canta se te falta a liberdade
Joaquim Pessoa, Vou-me embora de mim, Hugin, 2000.
__________________
Ainda conservo o post it: "Lê este em especial".
também em Na Liberdade,
antologia a lançar durante as comemorações do 25 de Abril
com a chancela de “Garça Editores” (Peso da Régua)
Atreve-te a julgar. Julga os outros julgando a ti mesmo.
A natureza das coisas é a tua natureza. Respira-te, despe-te,
faz amor com as tuas convicções, não te limites a sorrir
quando não sabes mais o que dizer. Os teus dentes
estão lavados, as tuas mãos são amáveis mas falta-te
decisão nos passos e firmeza nos gestos.
Procura-te. Procura encontrar-te antes que te agarre a voracidade do tempo.
Faz as coisas com paixão. Uma paixão irrequieta que não te dê descanso
e te faça doer a respiração. Aspira o ar, bebe-o com força, é teu, nem um cêntimo pagarás por ele.
Quanto deves é à vida, o que deves é a ti mesmo. Canta.
Canta a água e a montana e o pescoço do rio,
e o beijo que deste e o beijo que darás, canta
o trabalho doce da abelha e a paciência com que crescem as árvores,
canta cada momento que partilhas com amigos, e cada amigo
como um astro que desponta no firmamento breve do teu corpo.
E canta o amor. E canta tudo o que tiveres razão para cantar.
E o que não souberes e o que não entenderes, canta.
Não fujas da alegria. A própria dor ajuda-te a medir
a felicidade. Carrega nos teus ombros os séculos passados e os séculos vindouros,
muito do pó que sacodes já foi vida, talvez beleza, orgulho, pedaços de prazer.
A estrela que contemplas talvez já não exista, quem sabe,
o que te ajudou a ser vida de quantas vidas precisou. Canta!
Se sentires medo, canta. Mas se em ti nou couber a alegria, não pares de cantar.
Canta. Canta. Canta. Canta. Canta. Constrói o teu amor, vive o teu amor,
ama o teu amor. De tudo o que as pessoas querem, o que mais querem é o amor.
Sem ele, nada nunca foi ugual, nada é igual, nada será igual alguma vez.
Canta. Enquanto esperas, canta.
Canta quando não quiseres esperar.
Canta se não encontrares mais esperança. E canta quando a esperança te encontrar.
Canta porque te apetece cantar e porque gostas de cantar e porque sentes que é preciso cantar.
E canta quando já não for preciso. Canta porque és livre.
E canta se te falta a liberdade
Joaquim Pessoa, Vou-me embora de mim, Hugin, 2000.
__________________
Ainda conservo o post it: "Lê este em especial".
também em Na Liberdade,
antologia a lançar durante as comemorações do 25 de Abril
com a chancela de “Garça Editores” (Peso da Régua)
domingo, abril 18, 2004
Abril #18*
Dossier sobre o 25 de Abril de 1974, PCP [abre com som]
Tisana
Tinha havido uma revolução. No viaduto as letras ti-
nham saído dos livros e lançadas com ardor sobre a
cidade a água desaparecera. Não podendo já distinguir
entre o rio e a estrada as letras tinham invadido a cida-
de outra vez e tantas eram que a terra saltava e então
compreendeu-se que se tratava de um terramoto e as
pessoas apavoradas queriam fugir para o campo mas
nas auto-estradas tantas eram as letras que já ninguém
conseguia saber para onde iam ou onde mudava a di-
recção e atropelando-se as pessoas enterravam-se em
tinta procurando desesperadamente lembrar-se
Ana Hatherly in Na Liberdade,
antologia a lançar durante as comemorações do 25 de Abril
com a chancela de “Garça Editores” (Peso da Régua)
Enviado por Nicolau Saião
Dossier sobre o 25 de Abril de 1974, PCP [abre com som]
Tisana
Tinha havido uma revolução. No viaduto as letras ti-
nham saído dos livros e lançadas com ardor sobre a
cidade a água desaparecera. Não podendo já distinguir
entre o rio e a estrada as letras tinham invadido a cida-
de outra vez e tantas eram que a terra saltava e então
compreendeu-se que se tratava de um terramoto e as
pessoas apavoradas queriam fugir para o campo mas
nas auto-estradas tantas eram as letras que já ninguém
conseguia saber para onde iam ou onde mudava a di-
recção e atropelando-se as pessoas enterravam-se em
tinta procurando desesperadamente lembrar-se
Ana Hatherly in Na Liberdade,
antologia a lançar durante as comemorações do 25 de Abril
com a chancela de “Garça Editores” (Peso da Régua)
Enviado por Nicolau Saião
– aquelas –*
nada sei das palavras
– aquelas – que junto aos lábios
são como frutos proibidos
Sandra Costa
nada sei das palavras
– aquelas – que junto aos lábios
são como frutos proibidos
Sandra Costa