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sexta-feira, janeiro 30, 2004

magnólias*


Imogen Cunningham

Eu. Nada tenho para dizer. Sou um tudo nada mais finita que o mundo. Penso em flores. Magnólias. Ando obcecada com as magnólias. Vejo-as por todo o lado. Pressinto-as depois de cada curva. Hoje duas árvores. Hoje, uma árvore enorme por detrás de uma casa. Brancas. As magnólias. Têm de ser brancas. As lilases não me satisfazem. Também me disseram que florescem um tudo nada mais tarde. Um dia escrevi qualquer coisa sobre “rosas bravas que florescem por engano no Inverno”. O verso do poeta está trocado mas ainda assim é Janeiro. Inverno. Não é importante. É inverno e as magnólias abrem à noite. O branco empurra a noite. Abre-a. Também. É como uma dança. A claridade. É isso. A claridade. O desejo é como a claridade. Abre-se. Abre-me. Gentilmente. E depois. Dizemos noite como se uma palavra perfumasse o que ainda agora ficou para trás. Não sei se suporto. O que me fazem as magnólias. E vem. De novo. A noite. Entre o pudor e o sobressalto. Língua no contorno. Das sombras. Dos seios. Magnólias. Em flores. Um tudo nada mais. Nada para. Eu.

Sandra Costa

eros #4


Kofton


seguro os dedos antes de chegar a ti
seguro-me de cansaços que hesitam

agora

que depois do primeiro toque
logo a língua
no peito
logo o corpo sem outro sentido
que o do sangue
na base do desejo

logo o corpo todo na ânsia de
caber todo no teu
corpo todo

depois

é tão bonito quando te vens


cláudia caetano

quinta-feira, janeiro 29, 2004

sem cortinas*

A Ana, a Fábia, a Juliana, a Sandra e a Sara são minhas alunas do 12.º Ano e, hoje de tarde, surpreenderam uma pequena plateia de três professores e vinte e poucos alunos com um dom natural para o teatro. Escreveram um texto original e que se adaptasse à matéria que estavam a leccionar em História, construíram e interiorizaram nove personagens que contam uma história, mudaram de adereços e guarda-roupa de luz apagada entre as dez cenas e deram-nos uma expressividade nos gestos e nas falas que nos fizeram emocionar. Inexplicavelmente, foi a primeira experiência teatral delas. Pelo que me diz respeito, não será a última.

tardes de Janeiro*



Assim que as tardes se começam a abrir
entre as mimosas, os segredos ainda nítidos
como o frio na face das palavras, aproximo
a poesia da doce agonia da dança.

Vislumbra-se então a linguagem da certeza,
a linguagem dos pássaros que regressam
à longitude do sol

porque evidente o movimento,
e tão azul a promessa que permanece.
*

Sandra Costa

* Janeiro de 2003.

Lembro-me perfeitamente.

Janeiro*

Janeiro despede-se com sol,
com o rasto das mimosas sobre a estrada,
com a fragilidade sensual das magnólias longe dos meus dedos,
com um pouco mais de silêncio,
com cinco palavras que vieram antes e permanecem ainda intocáveis porque os corpos se comportam como poemas,
com o fulgor* dos dias que crescem, fôssemos árvores.

*Aqui.

quarta-feira, janeiro 28, 2004

para o A. A. e a A. A., por razão nenhuma*
que interesse divulgar mas reparem bem
nas iniciais dos vossos nomes!


Poema místico

Regresso a casa e as mimosas acumulam-se
nas bermas do caminho. A casa é amarela
e cai-me um livro do regaço quando saio do carro.
Van Gogh, o da Tashen, não resiste e abre-se
precisamente num girassol quando a chuva
começa a cair. De cabelos molhados, coloco
a chave na fechadura, como por acaso.

Sandra Costa

exercícios do inútil [sem autorização]*

#1 | Esperar (sempre).
#2 | Tentar perceber porque é que... se eu...
#3 | Pensar em escrever.
#4 | Olhar as tintas.
#5 | Andar calçada.
#6 | Enquadrar (me e se) (socialmente).
#7 | Evitar chocolate.

margarete

problema de linguagem*

Acho que é um problema de linguagem
este meu amor por ti:
comporta-se como o corpo que acorda
ainda agarrado aos sonhos,
levemente agoniado,
sem protecção contra a realidade
contra as palavras.

Sandra Costa

(mais) exercícios do inútil*
#1 | insistir nos beijos
#2 | cantar mesmo quando não se sabe a letra
#3 | acumular cotão no umbigo
#4 | roer a pele dos dedos desunhados
#5 | sorrir a dor
#6 | beber a cerveja morta
#7 | abraçar o corpo que parte


cláudia caetano

desejo*

pode ser
só isto
o desejo
se me transformas
em campânula

Sandra Costa

segunda-feira, janeiro 26, 2004

imagias #11


Wilhelm Hammershøis, 1903


serão sempre estes os lugares onde mais me reconheço
onde luz e sombra moldam (ou atenuam?)
as superfícies da solidão

Sandra Costa

às segundas*



§1. a cidade muito cinzenta sob a chuva
§2. as árvores da Cordoaria pelo céu dentro, nuas e intocáveis
§3. um pé atrás de outro pé sobre a água
§4. o claustro ilegível, sim, sem luz
§5. um rapto combinado à meia-noite e o desfloramento aos treze anos, sem violência alguma
§6. duas cartas de amor anexadas como provas irrefutáveis do crime, uma caligrafia desenvolta e envolvente, longe de platonismos: beijos pelo corpo todo
§7. no regresso, uma película de pó e de silêncio nas mãos

não*
sei
escrever
sobre
a morte
dos
outros.

domingo, janeiro 25, 2004

Hoy vas a entrar en mi passado*

Enquanto coloco um pé fora de casa
e o resto do corpo vem um passo
atrás adquirindo a natureza dos lugares
de passagem, tudo em mim flui e
diminui-se de distância e versos
inteiros inadequam-me à respiração:
hoy vas a entrar em mi passado *.

Sandra Costa

in the cut*

 
In the cut, de Jane Campion

Um filme sobre o que deseja uma mulher*,
numa cidade onde só faz sentido ter o olhar perdido,
de palavra em palavra, de poema em poema,
desfazendo imagens.

Que sera, sera, what ever will be, will be...



* A crónica de EPC só peca por não intuir Meg Ryan
e exagerar falo-psicanaliticamente.

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