sábado, setembro 25, 2004
como uma vela que caminha pela casa
- noite dentro - criando silêncios
e um súbito estremecimento.
João Leitão, Criança Afegã (Irão, Jul/2004)
(...)
.....Podeis dar-lhes o vosso amor, mas não as vossas ideias,
.....pois eles possuem as suas próprias ideias.
.....Podeis abrigar os seus corpos, mas não as suas almas,
.....pois as suas almas habitam nas moradas do amanhã que nem nos vossos sonhos podereis visitar.
.....Podeis esforçar-vos para tornardes como eles, mas não procureis torná-los como vós.
.....Pois a vida não vive no passado nem no ontem se detém.
.....Vós sois os arcos de onde, como flechas vivas, os vossos filhos serão lançados.
.....O arqueiro vê a presa no percurso do infinito e dispara com toda a força para que as suas flechas partam ligeiras e cheguem longe.
.....Que a vossa inflexão na mão do arqueiro se destine à alegria;
.....pois tal como ele ama a flecha que voa, também ama o arco que é estável.
Kahlil Gibran, O Profeta, Publicações Europa América, 2003.
João Leitão, [amostra]
já passaram uns meses desde que dei nota (ou tentei) de uma exposição de fotografia intitulada trajectos. na altura, apoderei-me despudoradamente de duas fotos (o modus operandi do costume) e usei-as em 'imagias', tive ainda o cuidado de informar os autores, à posteriori, é certo, mas informei. os rapazes prontamente me enviaram as duas fotos, mas com uma melhor definição que aquela que encontrara online. enfim, nada como alguma simpatia para que nos sintamos confortáveis com alguém.
tanto mais por isso, fiquei particularmente satisfeita quando, há dias, recebi um mail do joão leitão, relembrando-me quem era e partilhando novas fotos. desta vez, tenho permissão expressa para as usar, estou, por assim dizer, legitimada.
quinta-feira, setembro 23, 2004
Esta noite sonhei com uma árvore que pertence a um dos jardins do Porto - a Ginkgo do Jardim das Virtudes. Não sonhei propriamente com esta árvore tal como ela é, porque nunca a vi de perto sequer e só muito rapidamente em fotografias aqui, mas com uma imagem qualquer que criei sobre este local quando há dias mo descreveram assim: é um lugar com muita história, e não há lá nada que a recorde; muita relva, poucas árvores, nenhumas flores. Mas aqueles socalcos formam um cenário intemporal, um lugar de recolhimento e contemplação quase inacreditável no centro da cidade. E não te esqueças de te pôr debaixo da Ginkgo e levantar os olhos para a copa. E não é que sonhei mesmo com isto tudo? Era um lugar muito verde, um socalco largo e imenso - diferente dos das Virtudes - sem nada mais à volta, só o verde e aquela árvore enorme e frondosa ali no meio, com um halo veladamente azul, como uma réstea de nevoeiro, em torno da copa ainda verde também. Não estava sozinha quando vi a árvore pela primeira vez, ia comigo a J. como quando fui cheirar as camélias sazanka, mas a sensação foi de uma plenitude de ser - quase como uma solidão - no e contra o mundo. Não sei explicar melhor. Acho que corri para a árvore e lá fiquei por um bocado, debaixo da copa, a olhar o céu azul entres as folhas.
[Será do Outono?]
Sugeriram-me um poema sobre Setembro. Comecei
de imediato a pensar: tirar um Setembro das recordações? Criar
um Setembro que jamais existiu? E criar como? Só como entidade
fortuita, como vivência crepuscular? Num princípio de manhã?
Setembro como lugar e hora, como estância perdida? Porque
Setembro é algo de impalpável, estranhamente inexistente, um risco numa
parede entre duas portas cerradas. Ou então
algo tão intenso e cheio de presença como uma sombra enorme
num páteo abandonado. Setembro como memória perene? Setembro como fuga
como chegada à palavra e ao horizonte das formas?
Eis a voz. Eis o nome. Eis o lugar que se escolheu. Um vestígio
de matéria absurdamente concreta. Porque os demais momentos
são agora um ruído junto das casas que se habitaram
com todo o seu encanto e desencanto primordiais. Com a semelhança
de olhares e de ausências.
E assim Setembro me poisou num ombro
como réstea de sol num dia inteiramente comum. Setembro
que é dito, que é escrito, que é rememorado
Setembro que se olha e nos define como seres ao anoitecer
ante este muro sobre o qual já se vêem os astros habituais
e que são tão nossos como o grito súbito de uma ave indistinta.
Setembro que não sei dizer
Setembro que nos foge quando o tentamos olhar
Setembro que lembro e que conheço como uma cor amada
mês que morre e revive em mim como um soluço um beijo um aceno
de mão sulcada por muitas linhas e pensamentos.
enviado por Nicolau Saião
quarta-feira, setembro 22, 2004
agora à mão... [Continuamos a pedir desculpa pelo incómodo.]
p.s. - Obrigada, amélia, pelo link do innersmile que ainda não tinha visto.
terça-feira, setembro 21, 2004
e, se não fosse dramático, seria anedótico. Esta madrugada, depois da participação em directo da Ministra da Educação no debate Prós & Contras da RTP1, as listas de colocação de professores para destacamentos, afectação e contratação (que mexem com a vida de 50 mil professores e das hipotéticas 6 turmas que em média cada docente tem)foram colocadas on-line entre as 3:00 e as 4:30. De súbito, mais ou menos a esta hora, desapareceram.
Eu ainda cheguei a consultá-las, vi a minha algo desagradável afectação (perante certas realidades, não me posso queixar muito mas é deveras desmotivante não se poder continuar projectos, percursos e afectos que se julgavam passíveis de continuação) e quando tentei visualizar a de uma colega, já não era possível. Os ditos resultados que saíam e depois não saíam - dia 15, dia 20 às 12:00, às 18:00, às 20:00, antes das 24:00, daqui a uma ou duas horas -, e que acabam por ser colocados on-line às 3:00 do dia 21, são retirados por conterem erros. Como é que se brinca assim com a vida das pessoas? Como é que se compactua com tanta incompetência? Como acreditar no que quer que seja que saia deste Ministério? Não consigo entender. Não consigo mesmo entender. É, de algum modo, revoltante.
Dou aulas há 11 anos e nem quando passei pelos tão atacados mini-concursos senti o stress, o receio e a revolta que sinto este ano. Fiquemos à espera do comunicado da Ministra mas, sinceramente, não se vislumbra bom tempo pela frente. Não faço a mínima ideia de como irá ela descalçar a bota se (se??!!) o programa, de facto, deu [mais] merda. Que vai ela fazer nesta altura do campeonato? Entretanto, grande parte das escolas continuam paradas (nem horários se podem concluir sem saber a carga horária dos professores da escola) ou se arrancaram os alunos têm furos atrás de furos porque não há professores (em algumas, mais complicadas, os problemas de violência já se fazem sentir).
[Desabafo: quantas mais noites quase sem dormir teremos pela frente? Pedimos desculpa pelo incómodo.]
domingo, setembro 19, 2004
Depois das folhas terem caído, regressamos
A um sentido simples das coisas.
Wallace Stevens
e ficamos longe das casas abandonadas
para não entrarmos no espírito do silêncio
Sandra Costa
A matéria simples
Os brilhos que na noite vêm
são dos olhos dos que sonham,
viagens pelos mares de outras águas.
São os que não gostam de se elevarem
no ar sobre os antigos oceanos
e amam os pequenos riachos
e o fundo invisível dos poços.
Fiama Hasse Pais Brandão - "A matéria simples",
Relâmpago, N.º 14, Abril de 2004.